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Terça-feira, 26/1/2010 Lula, o filme Jardel Dias Cavalcanti Do ponto de vista puramente estético, o filme é uma porcaria. A história é boa e edificante: o menino que sai de uma vida miserável numa província de Pernambuco, vai parar em São Paulo onde estuda, trabalha, torna-se um importante líder sindical e, finalmente, tornar-se o Presidente da República. A persistência sendo o motor que geraria sua vitória num mundo adverso. A mesma história de Silvio Santos: do pobre engraxate ao milionário dono de um importante canal de televisão. O problema é que o personagem de Lula, o filho do Brasil, de Fábio Barreto, é uma figura política e histórica importante, intricado por redes mais difusas do que o filme quis mostrar. Entender sua complexidade nestes campos mereceria mais inteligência e mais arte. E nisso o filme peca vergonhosamente. É preciso muito mais que doses cavalares de sentimentalismo para alcançar o sentido dessa figura no cenário da política brasileira. O lado humano de Lula é o que domina no filme: a relação pegajosa/amorosa entre mãe e filho e vice-versa, seus ternos sentimentos com as esposas (a falecida e a primeira-dama) e sua entrada quase ingênua no sindicato. Intercala-se ao drama cenas da história sindical do Brasil, a repressão à greve do ABC e a presença da ditadura militar, que figuram apenas como ilustração, não sendo minimamente discutidas pelos personagens. O casamento substancial entre personagens e história é quase mecânico. Com um orçamento de 12 milhões espera-se mais dos roteiristas, que não sabemos até que ponto tiveram a sua liberdade vigiada ou se auto-vigiaram. O filme Olga, também simplório esteticamente, foi mais longe na questão ideológica. Com exceção da cena em que os companheiros de Lula o chamam de "pelego", nada está ali para contrariar a imagem de bom-mocinho do personagem. Ao contrário, essa suposta ofensa determina a sua diferença. De defensor da mãe quando seu pai a maltrata ("não se bate numa mulher", diz o menino Lula), a bom aluno e trabalhador honesto, até o marido amoroso e o sindicalista que apostava no diálogo com os patrões ("não temos nada contra os patrões, afinal são eles que pagam nosso salários", diz Lula em uma assembleia), nada se arranha nessa vida destinada ao sucesso futuro. Este é, consequentemente, um filme higiênico. Um filme com a cara que o próprio PT e Lula construíram para chegar à presidência. Não se trata de um filme político, mas sentimental. Não quer nos convencer pelas ideias, mas pela emoção. Filme, portanto, pelego, ao abrir mão da política e seu verdadeiro valor dentro das relações de poder. Nos anos 80, o pensador francês Felix Guattari veio ao Brasil e entrevistou o ainda sindicalista Lula. Guattari estava preocupado com a nova esquerda, surgida do declínio dos movimentos sociais da Europa. A conversa entre os dois virou um livro de 40 páginas editado pela Brasiliense. Interessava ao filósofo encontrar esta esquerda menos radical e autoritária, menos "intelectual", surgida do seio dos movimentos populares originais, e Lula representava para ele esse novo comportamento político. Lembrava-lhe, talvez, o modelo Solidariedade de Lech Valeza, na Polônia, que era um sindicato "pelego". Até hoje a Europa romantiza a presença de Lula na América Latina como um avanço da esquerda democrática. E o filme em si mesmo é o retrato dessa postura política e Lula realmente representa esse "peleguismo" (com o perdão da palavra tão fora de moda). O governo petista sonhado pelos militantes do Partido dos Trabalhadores não aconteceu. Lula apenas deu continuidade à política de Fernando Henrique Cardoso. Eu, por exemplo, sonhei com a legalização do aborto, sabendo que entre os membros do PT encontra-se nada mais, nada menos que a feminista Marta Suplicy. Mas o PT preferiu por panos quentes não só nesta questão como em outras, de natureza econômica e política, que implicam a relação trabalhista empregador/empregado. Há um gosto amargo na boca dos militantes do PT, que não sabem bem ainda como engolir isso. Quem tem lucrado no Brasil sob a gestão Lula são os banqueiros, os capitalistas-mor (com o perdão do palavrão), enquanto a classe média afoga-se no banho-maria das dívidas, assistindo desprotegida ao aumento da riqueza dos encastelados "homens de bem" deste país que se refugiam em condomínios fechados e voam de Helicóptero pra lá e pra cá, sem serem importunados pela prisão do trânsito ou pela violência que corre solta aqui em baixo, sobre quem não pode pagar por carros importados devidamente blindados. Pense-se, por exemplo, na questão da educação no Brasil (pilar de qualquer território que pretenda ser chamado um dia de civilização). Que professor neste país não tem jornada dupla de trabalho como forma única de conseguir manter-se vivo? O salário dos professores está há 20 anos estagnado. O governo Lula não fez nada nesse sentido. O resultado está aí nas escolas públicas para comprovar o descaso do governo petista com a educação. Enquanto isso, na China... O PT que venceu no Brasil é o mesmo do filme. Não é à toa que se questiona o próprio financiamento da sua produção por empresas privadas que têm algum tipo de contrato com o governo Lula, como a AmBev, Camargo Correa, CPFL, OAS (financiadora da campanha de Lula), EBX, Odebrecht, Oi, Volksvagen etc. O filme, chapa-branca, soa claramente como instrumento de campanha eleitoral, fazendo da trajetória de bom-moço do Lula a trajetória de um país sonhado pelos milhares de miseráveis que nadam e morrem antes de chegarem à areia da praia para provarem do gosto da verdadeira liberdade (saúde, educação, trabalho, enfim, dignidade humana, aquilo que caracteriza a justiça social e o grau de civilidade de uma nação ― construída por quem paga impostos abusivos esperando mais do Estado). Esperaremos, no futuro, por um filme que reabilite de forma mais complexa a história deste personagem. Pois este filme, tal qual o Brasil sonhado pelos petistas, ainda não existe. Nota do Editor Leia também "O filme do Lula e os dois lados da arquibancada". Jardel Dias Cavalcanti |
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