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Quarta-feira, 27/1/2010 2009 e minhas leituras Rafael Fernandes Magical mystery tours, de Tony Bramwell (Seoman, 2008, 544 págs.) ― Magical Mystery Tours é o livro de memórias de Tony Bramwell, que passou a infância e trabalhou com os Beatles. Como todo o livro desse tipo, é inexato, enviesado e tem apenas uma visão específica sobre os fatos. Por exemplo, é claramente "pró Paul" e mostra ódio declarado a Yoko Ono (mas, afinal, quem não a odeia?). E, claro, em vários momentos o autor tenta vender seu peixe. Com essas ressalvas em mente, é um bom livro, muito divertido. É bastante agradável para fãs dos Beatles e interessados no mercado e bastidores da música. Apresenta histórias saborosas, tiradas sarcásticas e um panorama da época a partir de uma pessoa que a vivenciou. A graça do livro não está na cronologia ou no cuidado com os fatos. Afinal, a bibliografia dos Beatles é vasta o suficiente para que isso seja saciado. Está em ser apenas uma versão da história e em como ela é contada. É o que dá diversidade à coisa toda ― aquela pulga atrás da orelha. Seja feliz e faça os outros felizes, de Antônio Maria (Civilização Brasileira, 2005, 128 págs.) ― Este livro traz uma seleção de textos de Antônio Maria publicados entre 1955 e 1964 em jornais como O Globo, Última Hora e O Jornal. A organização é de Joaquim Ferreira dos Santos. É uma leitura de tiro curto e prazer longo. Traz humor e amor, comédia e tragédia tão bem unidos que parecem ser uma coisa só. Maria tem texto fluído, divertido, inteligente e com muito estilo. Ele constantemente usa da auto-ironia e demonstra angústia disfarçada de humor. Como ele mesmo cunhou: "Os homens tristes geralmente fazem graça". Por outro lado, teve muitos amores, como Danuza Leão. Outra de suas frases (esta presente em outro livro, Um homem chamado Maria): "Preciso de duas horas de papo para que as mulheres se esqueçam da minha cara". Com grandes tiradas, prova que é possível ser crítico da sociedade e fornecer boas sacadas sobre a vida com elegância. Música, ídolos e poder ― do vinil ao download, de Andre Midani (Nova Fronteira, 2008) ― Andre Midani foi um dos principais executivos de gravadora do Brasil e, em dado momento, do mundo. Além disso, tem uma história de vida deveras interessante. Quando criança, presenciou o Dia D. A descrição que faz desses momentos é incrível. Como bem descreveu Washington Olivetto na contracapa do livro: "uma história que, se não fosse real, seria difícil de acreditar". Uma publicação que, além de ter causos saborosos, é indispensável para entender o mercado musical brasileiro. Porque não são apenas boas histórias, é a opinião de um profissional que esteve na indústria. Estão lá as dificuldades, prazeres, decepções e descobertas. Como, por exemplo, do potencial do público jovem no final dos anos 70 ― daí a explosão do chamado BRock nos 80. Midani ressalta diversas vezes a necessidade do profissional da música, além de lidar com artista, também saber ler balanços e lidar bem com a parte administrativa. Em sua opinião, a decadência da indústria começou quando as empresas passaram a ser comandadas por burocratas. É um livro altamente recomendado para interessados no assunto. Os donos da voz, de Maria Tosta Dias (Boitempo Editorial, 2000, 184 págs.) ― Os donos da voz é outro livro indispensável para quem quer entender a indústria fonográfica nacional. Mais austero e sem boas histórias como o livro do Midani, foca nos atores e no desenvolvimento do mercado. Foi feito a partir de uma tese de sociologia da autora, por isso a linguagem um pouco mais "dura". O que não atrapalha em nada na leitura. Embora não seja profundo nos assuntos, traz boas informações. Citando a rádio nacional, o auge da indústria do disco, a explosão do rock nacional, o início do mercado "independente" e até o surgimento dos MP3, é um importante trabalho. Consegue num espaço relativamente curto fazer um bom panorama da construção e desenvolvimento do que um dia foi o mercado fonográfico. Que cada vez está sendo substituído por um "mercado da música", mais geral e com um perfil muito mais variado do que era com os discos. Mais sobre este livro num texto meu. Reckless road, de Marc Canter (Greenleaf Book Group, 2007, 348 págs.) ― Marc Canter foi amigo e incentivador dos membros do Guns N' Roses no início de carreira da banda pelas ruas e muquifos de Los Angeles. Durante esse período tirou fotos, filmou, coletou flyers, posters, set lists e afins. Resolveu organizar tudo isso num livro que é uma junção dessa memorabilia com alguns textos explicativos. O resultado é um item obrigatório para os fãs da banda. É um trabalho primoroso. É o retrato de uma época, com os excessos, strippers, bebedeiras e drogas. Mas, principalmente, da evolução da banda até a assinatura do primeiro contrato. É possível, por exemplo, acompanhar a construção do set list, com a inclusão aos poucos de futuros clássicos. Mostra, ainda, a preocupação das bandas em conseguir um contrato com uma gravadora (a única forma de algo acontecer) e, mais para o final, o mesmo acontecendo com as próprias gravadoras (na expectativa de achar a "próxima grande coisa"). Infelizmente para muitos, esse livro ainda só é possível de ser obtido via importação. Slash, de Slash e Anthony Bozza (Ediouro, 2008, 464 págs.) ― Ruy Castro não acha que "autobiografias" existam; mas, sim, "livro de memórias". Sempre diz que "o biografado é a pior fonte de si mesmo", já que tende a mentir e omitir, entre outras coisas. Esse livro de memórias de Slash é a prova disso. Ele omite muitas coisas, é incoerente e tenta o tempo todo induzir o leitor a entrar na sua. A mostra mais clara disso é que constantemente o guitarrista elogia sua própria "ética de trabalho" (expressão que usa muito) para afirmar que sempre lutou pela música. É em parte verdade, já que ele, de fato, batalhou. Porém, em quase todos os momentos em que cita tal "ética", conta histórias de como ficava chapado de heroína por horas seguidas, quando não dias. Além disso, não são poucas as citações de bebedeira durante o trabalho. Isso não significa que não tenha se esforçado. Apenas que seu discurso não bate com muitos dos "causos" que conta. Também peca por ficar o tempo todo tentando, por meio de insinuações, demonizar Axl Rose e se colocando de vítima ― parece briga de ginásio. Aliás, esses dois parecem duas maricotinhas xiliquentas soltando farpas um contra o outro. Mas não se engane por essas ressalvas: é um livro prazeroso, com ótimas histórias e uma boa mostra de sua trajetória. Vale como divertimento e para saber um dos lados da história de um ícone da guitarra rock. Rafael Fernandes |
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