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Sexta-feira, 12/2/2010 Meu querido Magiclick Ana Elisa Ribeiro Acender fogão é desejo de toda criança. O entorno daquele objeto é sempre lugar proibido. Desde pirralhinha escuto minha mãe dizer que criança não chega perto de forno quente. Sai daí, sai pra lá, volta aqui. Nada disso impediu que eu espiasse um bolo assando e queimasse meu braço inteiro aos dois ou três anos de idade. Sofri caladinha, sem chorar nem gritar, para que mamãe não descobrisse minha façanha proibida. Mas quando foi me dar banho, ela viu a pele retorcida. Tive de tratar o machucado. Mais do que o forno ou o fogão, o objeto que me encantava (como gosta de dizer o pessoal de vendas) era o Magiclick. Fogão com acendedor automático, coisa do capeta. Fósforo não tem charme. Minha avó usava cada bitela, Fiat Lux, nome bem apropriado, não? Minha mãe usava outro, da caixinha muito mais famosa, menorzinho, escrito Pinheiro no rótulo. Já vi até livro de publicidade brincando com essa embalagem. Já vi livro de poesia brincando com caixa de fósforo. Já vi convite de formatura. No fundo, a caixinha de palito de fósforo é parte de nossa cultura mais cotidiana. Todo mundo, de todas as classes sociais, reconhece. Magiclick era um charme. Uma espécie de isqueiro muito grande que servia para acender o fogo nas trempes. Minha avó tinha um. Meu avô era muito tecnológico. Gostava de tudo fresquinho: Magiclick, videocassete, CD player, televisão de trocentas polegadas. O resto da família vinha a reboque, depois que perdiam o preconceito. O Magiclick era um acendedor de forno e fogão, mas parecia uma arma. Quando eu e os primos conseguíamos furtar o aparelho da cozinha de vovó, brincávamos de polícia e ladrão, até alguma tia perceber a troca de tiros e o perigo de atearmos fogo na casa (e uns nos outros). Alguns objetos povoam nossa memória e nosso imaginário para sempre. Alguns nos trazem lembranças carregadas de boas emoções e bons afetos. Outros trazem uma raivinha arrefecida, mas ainda um afeto negativo. Que o digam os proprietários dos primeiros carros VW modelo Fox. Uma tal argolinha no rebatedor do banco traseiro decepava dedos. Mas a marca alemã não é a única que presenteia o consumidor com más escolhas de design. Outras ocorrências já foram devidamente abafadas pelo tempo e pelo marketing a favor. A torneira de aço da minha casa não é exatamente um primor de design, embora o seja de funcionalidade. Quando se vai fechá-la, os dedos de alguém do meu tamanho cabem entre o pegador (com a rosca) e a haste que conduz a água. Vez ou outra me pego tirando o dedo com pressa, com medo de apertá-lo. Alguns designs são primorosos, pena que as pessoas insistam em se apropriar deles de um jeito engraçado. Maçanetas, puxadores, cabides e ferrolhos são aplicados em portas inadequadas. Outro dia, num livro do Donald Norman, li que, por motivos óbvios, toda porta de auditório deve se abrir para fora. Passei a fiscalizar todo lugar onde caiba muita gente, a começar pela escola em que leciono. Qual não foi minha surpresa! Porta de igreja, porta de teatro, porta de estádio. Mais adiante, Norman aponta que portas para serem puxadas devem ter pegadores verticais; portas para serem empurradas os devem ter horizontais. O shopping Pátio Savassi, da capital mineira, obedeceu direitinho, mas a cena mais comum é ver as pessoas brigando com as portas ou lendo os dizeres pregados lá: "puxe" e "empurre", antes de tomar alguma atitude. O briga é maior ainda quando os dizeres estão em inglês... Por falar em salas, como ficam os interruptores? Todo eletricista deveria aprender a ligar os fios aos interruptores de maneira articulada com a posição das lâmpadas no ambiente. Morei na casa de meus pais por 26 anos (os outros dois foram em outra casa) e nunca soube acender as luzes da garagem, do jardim, do corredor interno e da entrada. Eram umas nove teclas que acendiam onze lâmpadas e eu sempre fazia isso por tentativa e erro. Sempre brinco com isso nas salas de aula onde entro, cujas lâmpadas são sempre duas ou três, daquele tipo cumprido e ecológico. Raramente a primeira lâmpada está na primeira tecla e assim por diante. Para que simplificar se a gente pode complicar? Não é esse o nosso lema? Para que fazer um lustre bacana sem qualquer probleminha? Os da minha sala, por exemplo, são lindões, mas quando formos trocar as lâmpadas, teremos de contar com as mãozinhas do meu filho de 5 anos. O mesmo ocorre com apartamentos e casas com pé direito duplo em que se opta por colocar lâmpadas sem pendentes. Quem vai trocar? Lembre-se de comprar uma escada de alumínio bem grande e bem segura. E não apenas o design do objeto ou do ambiente são importantes. O design do som também nos ajuda. É uma angústia quando digito minha senha numa máquina que não faz barulhinhos tu tu tu tu tu tu, para eu ter certeza de que estou digitando. Por que será que aparecem aqueles asteriscos ou aquelas bolinhas no lugar dos números? É por ali que monitoramos a ação que executamos. Qualquer criança percebe som de coisa boa e som de estrago. Buzina estridente em joguinho faz pensar que alguém perdeu a vez. Game over. De que lado eu entro? De que lado começa a fila? Por onde devo passar? Por onde começo a ler? Nossas mediações diárias quase imperceptíveis são, a bem dizer, uma espécie de anjos da guarda. Ana Elisa Ribeiro |
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