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Terça-feira, 2/2/2010 O aniversário mais triste de São Paulo Débora Carvalho São Paulo, 25 de janeiro de 2010 Janeiro de 2010. Nunca vi tanta chuva e enchente em toda a minha vida. De férias, evitei sair à tarde a fim de não passar pela experiência de alagamento. Já atravessei rua alagada na adolescência. Água no meio da coxa. Não é algo que alguém queira vivenciar mais intensamente. Mais um aniversário de São Paulo. O que comemorar? Tentei comemorar. Juro. Até porque tinha duas primas hospedadas em casa. A mãe delas "entregou" que não queriam vir porque aqui só tinha "pedra". Então eu disse que tinha muita coisa legal, apesar do que passava na televisão, contendo o impulso de retrucar: ― E em Brasília tem o quê? Vieram. Era preciso provar que São Paulo não é apenas uma "selva de pedras". Chegaram no sábado à noite. Traçamos um roteiro dos lugares que mais gostamos de passear, cartões postais e locais históricos do Centro, Ipiranga, Ibirapuera. O plano era ter um domingo turístico, inspirado na campanha São Paulo é tudo de bom. Mas ninguém conseguiu acordar no horário combinado. É que elas ainda estão naquela fase de praticamente "varar" a noite de sábado assistindo filme ou jogando jogos de tabuleiro, e no domingo acordar na hora do almoço ― ou mais tarde ― para ainda tomar café. Também já passei por essa fase. Foi interessante descobrir que isso ainda é um hábito que faz parte da cultura adolescente. Não tenho mais essa energia. Enfim saímos, às 13 horas, depois de um desjejum reforçado. Antes do carro rodar 10 quilômetros, começou a chover. E forte. Adaptamos o roteiro e fomos ao parque Solo Sagrado, uma reserva ecológica na Represa do Guarapiranga, na região de Parelheiros. Talvez lá não estivesse chovendo. Os repentes de água iam e vinham. Foi hilário. Uma turma de 10 pessoas passeando de guarda-chuva. Quando a chuva ficava mais forte, íamos para debaixo dos quiosques, onde colocamos a conversa em dia. Sem televisão, rimos muito ― de nós mesmos. Vimos filhote de passarinho morto, flores, aves, peixes e guaxinins, muitos guaxinins. Eles foram a sensação do passeio. E não é que elas curtiram? Pois é. Para não perder o hábito, à noite passamos pelo shopping. Descobri que já superei outra fase ― a do McDonald's. Estou liberta desse mal. Ufa! Mais filmes. Dessa vez, deixei as primas à vontade com o DVD e fui dormir. O plano era acordar cedo para apresentarmos a cidade e "comemorar" o aniversário de São Paulo antes das chuvas. Conseguimos sair antes do meio dia. Não preciso dizer que a chuva, mais uma vez, atrapalhou e encurtou nosso roteiro. Mas as primas se divertiram ao ver ao vivo as cenas que só assistiam na televisão. Chegando na Praça da Sé, logo fomos intimados por pastoradores de carro: ― Ei, camarada, cincão pra gente na volta, beleza? Vai sonhando, pensei. Isso já é metade do meu pastelão no Mercado Municipal. Nunca vira a Praça da Sé vazia como naquela segunda-feira. Na catedral, além dos pombos na entrada, algumas pessoas dormiam sentadas, outras dormiam. As primas ficaram admiradas com a arquitetura. A igreja é mesmo muito alta. Um desperdício de material. Ficamos um tempo relembrando as aulas de história geral do Ensino Médio. Na saída, um grupo de mulheres de mais de 40, cantava: "Ei, São Paulo. Ei, São Paulo. São Paulo, terra boa. São Paulo da garoa." Um guarda reclamou alto que não acreditava que as mulheres do coral da igreja estavam fazendo aquela algazarra. Dava pra ouvir lá de dentro. E eu pensei: Garoa? Não sei mais o que é isso. Até tirei uma foto daquelas senhoras que pareciam tão felizes, cantando em homenagem ao aniversário da cidade. No metrô da Sé, pelo qual atravessamos para não molhar tanto os pés, uma galera de torcedores passou fazendo a maior algazarra. Policiais saíram correndo. Soltaram duas bombas. O barulho foi assustador. As primas se divertiram com a cena que talvez poderia render uma nota no jornal. Tivemos dó das crianças chorando, assustadas com tanto barulho. Eu, que passara tantas vezes por ali, desde criança, jamais imaginei que o Marco Zero fosse tão atraente. Tinha tanta gente tirando foto, que quase não consegui mostrar o monumento. Talvez porque na minha infância quase ninguém tinha câmera fotográfica. Hoje, todo mundo tem uma ― e digital. Hoje a fotografia parece ser algo quase banal. Mercado Municipal. As primas só comentavam do que já tinham visto nos jornais sobre o lugar. Acharam legal estar em um lugar tão famoso. Os vitrais, os pastéis de bacalhau e a variedade de frutas exóticas. Detalhe: o tamanho do pastel diminuiu desde a última vez que fui ali. E não faz muito tempo. Mais uma mania inacreditável. Para não aumentar o preço e espantar o cliente, diminuem o tamanho ou a qualidade do produto. Já me acostumei. Vale do Anhangabaú, Viaduto do Chá, Teatro Municipal. Shopping Light. Mais uma vez, os pastoradores de carro intimaram: ― Ei, vocês vão aonde? Na volta traz cincão aí pra gente, falou? Teatro Municipal em reforma. Chuva vai e volta. Uma estátua viva na entrada do shopping foi a distração da galera. Todos deram algum dinheiro e tiraram fotos com o ator. Inclusive eu. No shopping estava rolando diversas atrações artísticas em homenagem ao aniversário da cidade. Demos uma volta e fomos ver a muvuca na Avenida Paulista. Estava vazia. A comemoração tinha que terminar com pizza, é claro. Passamos no supermercado, compramos os ingredientes e fizemos muitas pizzas em casa, com vários recheios diferentes. Estava uma delícia. As primas disseram que estava melhor do que a pizza de muitas pizzarias que já tinham ido. Que bom. E disseram que vão voltar, agora que descobriram que São Paulo é divertida e tem mais do que prédios residenciais. Isso porque não conheceram os outros lugares como Safari, Zoológico, Aquário, parques e mais parques, museus; nem a beleza da cidade sob a luz do Sol. A chuva faz parecer que a cidade chora de tristeza. Elas iriam embora na terça-feira, final da tarde. Mas ficaram presas em casa porque o SPTV mostrou os locais alagados, e alguns deles estavam a caminho do Tietê. Foi bom porque passamos mais tempo juntas. Na quarta-feira de manhã, partiram. Pelo que disseram, acho que mesmo sendo a semana de aniversário mais triste que já vi, saíram com boa impressão e realmente vão voltar nas próximas férias. Quanto à minha turma de São Paulo, continuamos a comemoração quando o tempo estiou. No sábado à noite fomos andar de bicicleta e patins no Parque do Ibirapuera. Saímos de lá quase na hora de fechar. Foi delicioso. No domingo, as mulheres da galera foram obrigadas a aproveitar o sol para lavar roupa. E no final do dia, adivinha?! Chuva. Mesmo com um aniversário tão deprimido, São Paulo é tudo de bom. E olha que sou goiana. Nota do Editor Leia também Especial "SP 450". Débora Carvalho |
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