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Quinta-feira, 4/3/2010
Avatar 3D e as tecnologias visuais do novo milênio
Marcelo Spalding

Eu também vi Avatar 3D. E gostei. O enredo é fraco, embora haja alguns componentes ideológicos interessantes neste primeiro grande sucesso de bilheteria do século XXI, mas o que chama mesmo a atenção é a tecnologia 3D. Ainda que não seja o primeiro longa em terceira dimensão, parece evidente que será reconhecido como tal pela História do Cinema, pois foi o primeiro filme em terceira dimensão para milhões e milhões de espectadores.

A obra, neste aspecto, já se tornou histórica, e assim como um dia os diretores tiveram de se adaptar ao som, e depois à cor, agora terão de se adaptar também à imagem tridimensional. Não é uma tarefa fácil. Nunca foi.

Reza a lenda que quando os irmãos Lumiére exibiram seu primeiro filme, A chegada do trem na estação, os espectadores pularam assustados das cadeiras com medo que o trem atravessasse a tela e atropelasse quem estivesse diante dela (confira abaixo o filme):

Claro que hoje, cento e quinze anos depois, isso é motivo de piada, mas com o 3D nossa geração está revivendo um pouco essa sensação de estranhamento. Prova disso foi uma sessão de cinema que assisti no Alpen Park, em Canela, RS. Era uma animação computadorizada com 20 minutos de duração em que um helicóptero cai em perigosas montanhas e um homem precisa fugir dos perigos. Além dos óculos 3D, a sala de cinema era equipada com cadeiras que se mexem e soltam ar e até mesmo água, ampliando a experiência sensorial para o que chamam de 4D.

Dessa forma, não houve quem não gritasse quando o helicóptero caiu e a cadeira balançou, assim como não foram poucos os que se levantaram assustados quando o personagem se viu cercado de um monte de ratos e, repentinamente, sentimos um arzinho nas pernas simulando a invasão dos bichanos. Ou, e esta é para mim a cena mais simbólica, quando flechas foram arremessadas contra os espectadores e estes, ainda que não levantassem assustados da cadeira, mexiam a cabeça de um lado para o outro como se desviando das flechas.

Ainda que essa sessão do Alpen Park fosse uma mera demonstração da tecnologia, com um filme de enredo tolo e gráficos rudimentares, tenho certeza que nunca mais vou sentir a mesma sensação, pois uma vez familiriazados com a nova experiência, com o novo código instaurado pelo meio, não somos mais surpreendidos e passamos a assimilar as experiências sensoriais como normais.

Em Avatar, por exemplo, muitos espectadores sentiram falta de cenas que explorassem mais a terceira dimensão, como flechas vindo em direção à tela ou mais tomadas abertas com o cenário do planeta Na'vi. São, certamente, espectadores que já assistiram outras animações e até alguns filmes com a tecnologia. Por outro lado, essa economia de efeitos permite que a história se desenvolva por si só, ficando a tecnologia a serviço da história a ser contada, e não o contrário.

O próprio fato de a história se desenrolar em outro planeta, com outra paisagem, outros habitantes, outras tecnologias é importante do ponto de vista da construção ficcional, pois o estranhamento do público ao se deparar com as cenas em terceira dimensão está de acordo com o estranhamento dos humanos diante de um lugar inexplorado e perigoso. Os bichos se tornam maiores, as texturas mais visíveis, a profundidade, inalcançável.

Falta ainda, é claro, um bom diretor que transforme a tecnologia em partícipe da narrativa, como um dia Hitchcock transformou a trilha sonora em personagem de seus filmes. Avatar impressiona mais pelo pioneirismo do que por criar novas experiências sensoriais, mas sem dúvida é o primeiro passo de tantos outros.

Num mero exercício de futurologia, eu diria que o novo milênio será de imagens, assim como o anterior foi de palavras. Isso não significa que a palavra irá perder importância, mas a imagem se tornará cada vez mais capaz de informar com rapidez, comunicar com agilidade. Jornais e revistas já têm muito mais espaço para fotografias, boxes e infográficos do que para textos, sem falar nos livros didáticos que às vezes parecem um catálogo de supermercado.

Além das evoluções tecnológicas, porém, parece que o maior desafio será evitar a vulgarização das imagens com a repetição dos mesmos clichês à exaustão. Italo Calvino, em Seis propostas para o próximo milênio, já alertava para o risco da massificação das imagens:

"Vivemos sob uma chuva ininterrupta de imagens; os media todo-poderosos não fazem outra coisa se não transformar o mundo em imagens multiplicando numa fantasmagoria de jogos de espelhos ― imagens que em grande parte são destituídas da necessidade interna que deveria caracterizar toda imagem, como forma e como significado, como força de impor-se à atenção, como riqueza de significados possíveis. Grande parte dessa nuvem de imagens se dissolve imediatamente como os sonhos que não deixam traços na memória; o que não se dissolve é uma sensação de estranheza e mal-estar".

O cinema, jovem arte com pouco mais de cem anos, neste terceiro milênio certamente evoluirá muito e ao fim e ao cabo se tornará algo muito diferente do que é hoje, talvez com o espectador sentindo até cheiro e gosto, talvez com o espectador participando ativamente das cenas, talvez com sensores instalados por todo o corpo ou o espectador entrando numa cabine. Nada disso, porém, irá garantir o sucesso ou a qualidade de um filme, assim como Avatar não é um grande filme apenas pelos efeitos 3D, e consegue ser um bom filme apesar da dúzia de clichês presentes. É a construção narrativa, é a elaboração inteligente e a profundidade do conflito que fazem um filme. O cinema, não por acaso, é uma sequência de imagens que conta uma história. Não o contrário.

Nota do Editor
Leia também "Avatar e um mundo novo".

Marcelo Spalding
Porto Alegre, 4/3/2010

 

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