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Terça-feira, 23/2/2010 Choque de realidade no cinema Débora Carvalho Um olhar do paraíso Ontem saí do cinema deprimida. Dormi preocupada. Acordei em pânico. Na verdade, não queria acordar. Estava triste demais, e com medo; apavorada porque em alguns meses serei responsável pela vida de uma garotinha que está pra nascer ― de mim. E ela vai viver num mundo cheio de coisas maravilhosas, mas também do oposto disso. Até então, estava vislumbrando apenas um mundo maravilhoso para minha pequena. Alimentação balanceada e naturalista, como condicionar o sono na hora certa, qual o estilo de roupa para cada fase (para que ela seja estilosa e fofa), que palavras do meu vocabulário preciso tirar, como viver com no máximo duas horas de televisão por dia, e como adequar minha inspiração para escrever enquanto ela estiver dormindo. Então, ontem à noite, fomos comer algo não-saldável e assistir a um filme. As opções eram poucas. Escolhemos pelo nome e horário da sessão. Algo light: Um olhar do paraíso. ― Deve ser algum daqueles romances melosos ― disse pra galera. Foi uma inferência equivocada. Eu nem tinha assistido ao trailer. No cartaz só tinha o título e a imagem era linda. Mas algumas pessoas foram embora no meio do sessão. Acho que não suportaram o choque de realidade. Minha neura, agora, é: como livrar minha filha de pessoas más. Como ensinar uma criança a desconfiar de pessoas conhecidas? Como ensinar que não pode confiar em ninguém, mesmo que seja vizinho, ou até mesmo parente? Como explicar que existem pedófilos, estupradores e assassinos? A história de Susie Salmon, interpretada por Saoirse Ronan, é de extrema importância. O tema incomoda. Choca. Aterroriza. Mas, infelizmente, é algo real, que acontece todos os dias bem debaixo do nosso nariz. É preciso falar sobre o assunto para que não continue um tabu da nossa cultura familiar. Quebrar o silêncio pode salvar a vida de muitas crianças. Elas precisam ser ensinadas a dizer não. É algo extremamente difícil, porque nós, os pais, preferimos ― e é compreensível ― manter a inocência, a ingenuidade da criança intacta, longe de ser contaminada pela maldade do mundo. E eu me pergunto: diante dessa triste realidade, a pureza pode matar e o conhecimento do mal pode salvar? Eu não sei. Estou neurótica e aflita tentando descobrir. Mas depois de conhecer a história de Susie Salmon, não consigo conceber a ideia de que vou colocar alguém no mesmo mundo em que vive outro alguém que possa fazer qualquer tipo de mal à minha pequena. Não consigo pensar numa estratégia de proteção, nem numa pedagogia adequada para ensiná-la a se proteger. O filme é um tanto surreal, com uma história real. O tal "olhar" do paraíso é o da garota após a sua morte, antes de "fazer a passagem para o Céu". Espiritualidade à parte, o choque de realidade é grande. Até porque o espectador deseja profundamente que o assassino seja pego e sofra ao menos um pouquinho por todas as garotinhas que violentou e assassinou. A crise na família, a sede de vingança, a saudade dos pais e dos irmãos, e finalmente seguir em frente. Essa é uma experiência pela qual não quero passar jamais ― e desejo que nenhuma família tenha que atravessar uma situação dessas. Bom seria que o próprio assunto não existisse. Mas ele existe. E, de alguma forma, precisamos descobrir como avisar nossos pequenos, porque pode ser que um "não" salve suas vidas. Não acho que seria legal contar o filme, mas posso adiantar que vale a pena conferir mais de uma vez o drama Um olhar do paraíso (The Lovely Bones), dirigido por Peter Jackson, baseado no best-seller de Alice Sebold, com atuação fantástica da protagonista. A fotografia é muito bonita, com efeitos especiais pra ninguém botar defeito. A trilha sonora também é perfeita, na medida exata para cada cena. O roteiro é inteligente, fácil de entender, envolvente sem sensacionalismo. Mesmo com um tema tão chocante, as cenas são bastante ponderadas ― sem violência ―, o que permite que os mais jovens também assistam. Inclusive, pode ser interessante mostrar o filme a juvenis e adolescentes que não suportam a preocupação dos pais e acham que nunca nada de mal vai acontecer com eles ― como eu também já achei. Débora Carvalho |
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