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Terça-feira, 27/4/2010
Cinema futuro: projeções
Jardel Dias Cavalcanti

A experiência do cinema em 3D tem causado frisson no público. A mesma vertigem que sentimos, por exemplo, diante de uma cena de Avatar, sentimos nas igrejas que adotaram o barroco como arte. Somos praticamente jogados dentro da cena, convivemos quase que fisicamente com a situação que se desenrola, estamos como que caindo precipício abaixo (em Avatar), como estamos subindo aos céus em nuvens flutuantes, fofas e aéreas, amparados por anjos (numa igreja barroca). Enfim, somos seduzidos a partir da sensorialidade. E quem não gosta de ser seduzido?

A ideia da experiência sensorial tem se acentuado no cinema como foi acentuada na arte contemporânea (vide Lygia Clarck, Oiticica, vídeo-arte etc.) e nos brinquedos eróticos vendidos em sex shops (bonecas/bonecos infláveis com calor, cheiro e movimentos produzidos por bateria ― ou seja, quase um corpo humano).

Existe um preconceito no Ocidente que brota das formulações platônico-aristotélicas contra o conhecimento irracional que nasce das experiências sensoriais. Elas são o contraponto ao conhecimento racional/intelectual-ideal. Da mesma forma que a carne-matéria, tida pelo cristianismo como fonte do pecado, foi vista como um desvio do absoluto, qualquer conhecimento sensível é visto pela tradição ocidental como "falso". Basta saber que a Estética, como disciplina, só no século XVIII foi aceita como algo sério, como um campo do conhecimento tal qual a filosofia ou outro sistema de pensamento.

E o novo cinema, principalmente o americano, que apela mais para a forma que para o conteúdo, mais para a sensação do que para o pensamento, acaba sendo visto como alienado, uma espécie de oposição ao cinema europeu intelectual.

Bom, o público médio não sabe nada disso, apenas entra no cinema e se diverte. E, para delírio e ódio dos intelectuais europeus, um filme como Avatar tem produzido mais emoção estética no seu público do que as reflexões profundas que seus intelectuais-cineastas têm fornecido em filmes-cabeça. Mas tudo está em transformação, basta visitar o Cahiers du Cinema e ver que muitos filmes considerados alienados têm sido discutidos à luz de proposições filosóficas por alguns intelectuais, aqueles menos enclausurados em velhas formas de se pensar a arte e as formulações estéticas.

Um filme como Matrix, por exemplo, foi devidamente destrinchado por intelectuais que viram ali uma séria reflexão sobre o mundo governado pelas relações virtuais. Mais profundo que a sociologia do mundo contemporâneo, foi ali que se viu francamente destrinchado o problema da virtualidade da existência. Aliás, o que se produziu de ensaios acadêmicos sobre o filme não é brincadeira.

Essa desconfiança tem seus dias contados. Não se admire se um dia desses dentro do cinema nós pudermos sentir o cheiro da floresta, o cheiro da terra e/ou da mistura de perfume e sexo dos personagens no ato de amor. Ainda mais, o cheiro das ruas de Nova York ou do deserto do Saara, da brisa marinha de uma praia distante ou de conhaque e cigarro num bar esfumaçado que toca jazz em Paris. Universos inalcançáveis que se produzirão artificialmente para os espectadores e dos quais poderemos tirar proveito.

É isso que um filme como Avatar anuncia. E em vez de simplesmente distribuir-se óculos, outros apetrechos serão distribuídos para os frequentadores do cinema que poderão sentir o cheiro, o gosto, a temperatura etc., dos acontecimentos que se desenrolam à sua frente na telona.

Não que aquele cinema meditativo, introspectivo, à maneira de Bergman, deixará de existir, sendo ainda uma forma, entre outras, de se pensar a vida humana e seus terríveis dramas existenciais a partir de uma inteligência particular, intelectual, meditativa.

A tecnologia, por sua rápida transformação a partir do século XX, tem causado pavor em algumas pessoas. Mas tem causado deslumbre na maioria dos usuários que se aproveitam dela para suprir faltas difíceis de se reparar, seja pela dificuldade ou o alto preço do acesso ao conhecimento. A universalização do conhecimento se acelerou. Para quem domina diferentes línguas, então, nem se fala. E mesmo os tradutores virtuais têm se mostrado bastante eficazes quando falta a cultura das línguas. Portanto, a modernidade tecnológica é, sim, uma mão na roda.

Se o cinema incorpora essas qualidades da tecnologia, que seja para bom proveito de todos e não matéria de desconfiança. Uma particularidade no mundo do entretenimento cinematográfico é que nem sempre apenas a alta tecnologia produz grandes filmes. Veja-se sucessos de baixo orçamento como A Bruxa de Blair e Guerra ao Terror (que ganhou o Oscar de Melhor Filme, derrubando o favoritismo de Avatar). Isso, por si, explica a complicada questão que existe na relação entre arte cinematográfica e mercado, entre o desejo dos espectadores e a visão do que será ou não aceito como mercadoria ou forma de comunicação estética.

O novo cinema incorpora transformações que são da ordem do desejo e da subjetividade dos indivíduos, que são produto de interesses capitalistas e que são fruto de particularidades estéticas dos artistas-cineastas. Tudo isso conjugado com os avanços das tecnologias pode auxiliar as transformações não só das proposições sociais como das estéticas.

Nessa geléia-geral, o público vai se mover, escolhendo ou sendo escolhido para esse ou aquele entretenimento. O cinema, como também a fotografia, sempre foi visto com uma certa desconfiança, como não sendo arte, sendo aceito apenas como um ligeiro entretenimento. Um pensamento equivocado e, talvez(?), já superado. E o cinema que incorpora as tecnologias é mais mal visto ainda, julgado apenas como "entretenimento ralo". Como se não houvesse possibilidade de se edificar nenhum pensamento a partir do sobrevoo rasante de uma das aves de Avatar ou a partir da sombria realidade de um Hitchcock.

Se não fosse assim, poderíamos deixar de lado toda a arte romântica e seus símbolos obscuros e elevados, agitados e irracionais (Friedrich, Goethe, Victor Hugo, Delacroix, Beethoven, Schiller), muitas vezes recuperados pelo cinema atual, mas pouco percebidos pelos espectadores mal informados sobre a história da arte e da literatura. A esse respeito relacione-se a pintura romântica de paisagem americana (e as proposições sobre o desejo como algo dominante na natureza humana) que aparece no filme O segredo de Brokeback Montain. Um diálogo fecundo entre duas culturas distantes no tempo, a do passado fecundando a contemporaneidade e vice-versa.

O cinema que vai além do conteúdo, nos proporcionando sensações afetivo-sensoriais, vai ser a marca do novo cinema que se avista.

Caros ocidentais, acomodem-se nas poltronas, pois seus cinco sentidos serão ativados. O resultado disso, pensaremos depois de aprendermos a sentir.

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 27/4/2010

 

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