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Sexta-feira, 9/4/2010
O futuro do ritual do cinema
Marta Barcellos

Antes de Avatar salvar o futuro do cinema, eu andava preocupada. Não parecia fazer muito sentido um ritual que junta pessoas dispersivas em uma sala, conversando em duplas e olhando para seus celulares enquanto um filme é projetado na tela. Tentava imaginar uma nova função para a sessão de cinema: um tipo de lanchonete para apreciar boa pipoca (mais cara que o ingresso) ou um ponto de encontro para o "programa de verdade", já que depois as pessoas saem para jantar ou passear no shopping. Se ainda não são, obviamente todos os cinemas serão localizados dentro de shopping centers.

Reduzido a esta experiência, o cinema seria rapidamente trocado por outra atração que o próprio shopping se encarregará de oferecer. Algo mais dinâmico, quem sabe temático, enfim, com a cara das novas gerações. Para a atividade propriamente de assistir a um filme, não faltarão ocasiões e telas: da TV com alta definição de imagem e som surround ao telefone celular, passando por computadores e iPads. E o melhor: sem precisar ouvir o "pssssssiu" dos espectadores que cismam em achar que o silêncio ainda deve reinar na majestade da sala escura de projeção.

Aqui devo confessar que, antes da redenção representada pelo filme de James Cameron, eu era uma das responsáveis pela ameaça que pairava sobre os cinemas. Viciada, não consegui abri mão do ritual à antiga ― apesar dos baldes de pipocas triturados durante toda a sessão, da diversificação de toques dos celulares iluminados, dos comentários sobre as cenas trocados cada vez com mais naturalidade. Se, por um lado, o meu ingresso contribuía para a receita dos exibidores, por outro imagino que eu tenha dissuadido alguns desses "modernos" espectadores de cinema a repetir a experiência. É que, além de "pssssiu", às vezes me ocorre lembrar essas pessoas sobre a sua distração: elas não estão em suas casas.

Provavelmente algumas delas passaram a considerar as vantagens de esticar-se em seus sofás reformados e fazer valer o investimento feito em telas planas de altíssima definição. Pelo menos, admito, essa costuma ser a minha intenção. Da outra solução, a de educá-las, desisti faz tempo.

Mas agora os óculos 3-D prometem concentrar os espectadores dispersivos e atrair novas multidões ao cinema, entretidas com a projeção cinematográfica como se estivessem jogando videogame. A experiência sensorial parece estar à altura da nova mente humana, conseguindo captar a sua atenção por duas horas inteirinhas ou até mais ― Avatar tem 158 minutos! Só que depois disso podem surgir novas questões. E quando os televisores em 3-D se popularizarem e trouxerem uma experiência caseira semelhante? E se os cérebros multitarefa se adaptarem à nova tecnologia e conseguirem acompanhar histórias em três dimensões enquanto conversam e teclam no celular? Será que algum chato (a) vai falar "pssssiu"? Ops, pelo visto em breve estaremos afirmando aqui, novamente, que os cinemas vão acabar.

Veja bem, adorei a experiência de assistir a Avatar, e também fiquei feliz com o fôlego que a nova tecnologia promete dar à indústria cinematográfica. Por obrigação maternal, acompanhei de perto a evolução do 3-D em filmes e desenhos animados. Até então, não me empolgava com a tecnologia, mas fiquei muitíssimo bem impressionada com a apropriação que Avatar fez dela: foi como se o gênero ficção científica finalmente fizesse sentido para mim. No entanto, para "entrar" em histórias ― bem construídas e narradas ― de gêneros cinematográficos que me agradam mais, nunca precisei de grandes artifícios, além do escuro e do silêncio ― ao contrário de meus inquietos vizinhos de poltrona.

Passado o oba-oba tecnológico, teremos de volta a velha questão: se nós, que gostamos do ritual do cinema em grandes salas escuras compartilhadas com solenidade, seremos contemplados com alguma programação no tal cinema do futuro. Na verdade, nem é preciso grandes voos futuristas para compreender a ameaça. Já perdi a conta dos filmes ― especialmente produções nacionais ― que deixo de assistir porque as salas de cinema mais próximas estão tomadas por blockbusters. Isso na zona sul do Rio de Janeiro. O efeito Avatar só não foi maior porque poucos cinemas dispunham de equipamentos em 3-D. Quem não corre para assistir a alguns filmes na semana de estreia muitas vezes tem que se contentar com o lançamento em DVD. E não, para "nós", assistir ao DVD não é a mesma coisa. E não se trata de investir todo o orçamento doméstico em equipamentos de home theater, nem aprender a baixar filmes no computador. Assim como alguns leitores sempre irão preferir livros em papel, há aqueles que gostam de ver filmes no cinema. São pessoas que até enfrentarão alguns percalços, como o estacionamento lotado no shopping, mas que podem acabar sucumbindo se forem expulsos pela programação adolescente e pelos espectadores mal educados.

Por tudo isso, continuo em dúvida se Avatar, ao marcar uma nova era da indústria cinematográfica, também vai garantir a continuidade do meu programa preferido. Talvez eu devesse colocar mais esperança nas iniciativas de alguns exibidores ― como o grupo Estação, no Rio ― para formar novas gerações de cinéfilos, daqueles que prescindem de óculos 3-D para achar que cinema é a maior diversão.

Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blog Espuminha de leite.

Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 9/4/2010

 

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