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Quarta-feira, 14/4/2010 Dalton Trevisan ou Vampiro de Curitiba? Luiz Rebinski Junior LIANA TIMM© (http://timm.art.br/) Um dos méritos do romance Chá das cinco com o Vampiro (Objetiva, 2010, 236 págs.), de Miguel Sanches Neto, é dar ao leitor um leque de possibilidades de leitura. Romance de formação? Roman à clef ao estilo Truman Capote em Súplicas atendidas? Ou simplesmente um desabafo movido pela magoa? Pra mim é tudo isso. Em uma conversa com um amigo acadêmico afeito a teorias literárias, fiquei convencido de que o livro de Sanches Neto não existiria sem Dalton Trevisan. Por isso, é uma grande bobagem negar a influência do escritor, como tema, na obra. Por mais que as teorias acadêmicas lutem para incutir a ideia de que o real deve ser separado da ficção quando se analisa um escritor ou obra, é praticamente impossível fazer esse tipo de leitura, totalmente isenta, no caso do livro de Miguel Sanches. Por mais que o próprio autor diga o contrário, Chá das cinco com o Vampiro não é uma peça de ficção isolada da realidade. E, talvez por conta disso, o livro fique marcado como "o livro sobre Dalton Trevisan", e não como "o romance de Miguel Sanches Neto". Mas é claro que se o único mérito do livro for esse: revelar as idiossincrasias do escritor recluso, então Miguel Sanches está acabado como escritor. Pode pegar sua pena e se mandar, porque aí não estaria fazendo literatura, mas sim fofoca. E o escritor é bastante experimentado para cair nesse tipo de armadilha. E corajoso, diga-se. Não só por mexer em um vespeiro que ele sabe ser perigoso, mas porque deixa para o leitor a decisão de julgar o seu livro. Dá a ele as opções de leitura e de decidir se o livro é um verdadeiro romance ou apenas uma autobiografia travestida de literatura. O que também não é uma decisão fácil para o leitor. Sanches Neto o coloca na parede. É preciso decidir que leitura fazer, como pensar o romance. Isso porque tentar descobrir quem é quem no romance é, sim, também, um grande prazer. Não é um detalhe superficial. Para quem está acostumado com as caras da cena cultural curitibana, é um exercício divertidíssimo descobrir a identidade dos personagens. E às vezes chocante também. Os grandes caciques da literatura do Paraná são retratados sem dó por Miguel Sanches. Valêncio Xavier, o autor de O mez da grippe, é definido como um jornalista que "se acha escritor experimental por fazer colagens com desenhos e fotos de velhas revistas e escrever sob elas um amontoado de asneiras". Já o jornalista Fábio Campana, que aparece como Orlando Capote, é descrito como um autor de um romance sofrível. Por conta disso, confesso, tive que fazer um grande esforço para separar as coisas ao longo da leitura. Saber como era Wilson Martins na intimidade, crítico que li com devoção por muitos anos, não deixava de ser interessante. Então era como se, de algum modo, minha leitura estivesse contaminada e eu lutasse, a cada página, para me descontaminar. Talvez eu não seja o leitor ideal deste romance. Se é que isso existe na literatura. Sofri um tipo de interferência que um leitor que não conhece a cena literária de Curitiba (ainda que eu a conheça apenas à distância) certamente não sofrerá. Mas, então, o que fica do romance? Superada a confusão entre ficção e realidade, subtraindo-se as intrigas, a guerra de egos, o que sobra é um história de ruptura, de um provinciano que se liberta, primeiro dos pais, depois da sua pobreza de espírito que lhe oprime. Além de um retrato impiedoso de uma cidade. Em uma associação perigosa, a história de Beto Nunes, o alter ego de Miguel Sanches, é a história do povo curitibano. De gente do interior que se esconde no anonimato e na má fama de Curitiba para esquecer o passado e começar do zero no íntimo de suas casas. Nesse aspecto, o silêncio curitibano é a melhor das recompensas para quem chega à cidade. Miguel Sanches intercala a narrativa entre a vida em Peabiru, cidadezinha no norte pioneiro, e em Curitiba, quando Beto Nunes já é o discípulo de Geraldo Trentini, o "Vampiro de Curitiba". As descobertas de Beto adolescente (sexuais e literárias, principalmente) correm paralelas aos ensinamentos do grande contista ao iniciante escritor. Os melhores trechos do romance se passam na mítica Confeitaria Schaffer, onde o verdadeiro Vampiro tomava diariamente sua coalhada. Ali o mestre passa as lições ao aprendiz e destila todo seu veneno contra inimigos e amigos. Beto Nunes, um provinciano que descobre o mundo pelas lentes da literatura, carrega consigo a insolência típica do jovem recém-egresso no mundo dos livros e das ideias. Acha que é um gênio e não se relaciona com seus colegas de faculdade. Miguel Sanches constrói uma narrativa interessante a partir da trajetória de Beto, em um vai e vem entre a vida no interior e na capital, já como discípulo do grande contista. Para mim, Chá das cinco com o Vampiro é muito mais um livro sobre Curitiba do que qualquer outro tema. A visão que Miguel Sanches oferece da cidade é tão certeira quanto ácida. O problema é que o livro começa dando ao leitor uma ideia de narrativa e, lá pelas tantas, envereda por outra. No começo do livro, empolgante, os holofotes estão todos voltados para a relação entre Nunes e Trentini, por mais que a digressão entre as fases da vida de Nunes apareça desde o começo. Na fase derradeira do romance, no entanto, Trentini é praticamente esquecido, sendo a narrativa voltada para o círculo de amizade que Nunes, um crítico proeminente do maior jornal da cidade, passa frequentar. Trentini morre à míngua. Fiquei com a impressão de que Miguel Sanches poderia ter escrito este livro no começo de sua carreira, bem antes de lançar os ótimos Um amor anarquista e A primeira mulher. E que o romance poderia ter sido escrito sem que o autor depositasse todas as suas fichas na relação de Nunes com Trentini, a começar pelo nome do romance. Claro que isso deu sabor especial ao livro, mas também foi um fator que, de certo modo, desajustou a sua unidade. A impressão que fica é que temos dois romances distintos nas mãos, que em dado momento se anulam. Ainda assim, Chá das cinco com o Vampiro é daqueles romances para se ler em uma ou, no máximo, duas sentadas. Apesar da amargura niilista que rege Beto Nunes, Miguel Sanches Neto escreve páginas recheadas de um humor corrosivo contra seus pares, o que rende boas risadas. Mas, sobretudo, é um livro para quem quer entender como se vive em uma cidade sitiada pelo silêncio. Um bom romance, ainda que tardio. Para ir além Luiz Rebinski Junior |
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