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Terça-feira, 20/4/2010
Shows da década (parte 2)
Diogo Salles

Prosseguindo com a minha saga de shows nos anos 2000, iniciada na coluna anterior, vamos agora entrar na segunda metade da década.

2006 ― Em fevereiro, o U2 desembarcava aqui mais uma vez, para dois shows no Morumbi. Para quem já tinha visto a turnê Pop Mart (1998), essa turnê Vertigo não era menos megalomaníaca e estive lá nas duas noites. A primeira noite, na pista, se tornou o único show da minha vida que não consegui ver absolutamente nada. Com 1,80 metro, sempre consegui ver todos os shows, mas dessa vez tive que me conformar com os telões, pois o palco era ridiculamente baixo. A segunda noite, vendo da numerada, pude aproveitar melhor. Mas o pior de tudo aconteceu antes: o desespero para conseguir ingressos me trouxe alguns questionamentos. Até que ponto vale a pena se sacrificar daquele jeito? Não sei ao certo, pois sempre depende do quanto aquela banda é importante para você. Agora, se o público continuar aceitando esse tratamento ― e comprando os ingressos ― fica tudo muito cômodo para os promotores de espetáculos. Eles economizam com infraestrutura e quem paga o pato é o fã desesperado. Em março, o Santana dava as caras por aqui. Eu, que me lamentara de ter perdido seu show dez anos antes, pude vê-lo na Arena Skol, um lugar um tanto estranho para receber eventos como esse. Quanto ao show, me entediou um pouco o repertório de gosto duvidoso do disco Shaman, mas ver "No one to depend on", "Jingo" e "Black magic woman" foi libertador. No bis, o clássico "Evil ways", uma música que ele não costuma tocar ao vivo, lavou a minha alma. No final do ano, dois shows de classic rock, mas de diferentes épocas: Deep Purple em novembro e The Cult em dezembro. O primeiro eu sempre quis ir, mas como eles vinham ao Brasil todo ano (e continuam vindo), eu sempre deixava para depois. O show foi previsível e, por isso mesmo, bom. Ian Gillan não é o mesmo (aliás, já não era há anos), mas ainda segura a onda, se esquivando das notas mais longínquas e Steve Morse mostrou todo o seu virtuosismo ― destaque para o repertório do clássico Machine head. Já o The Cult era um show que eu não considerava "obrigatório". Fui movido pela curiosidade, pois sempre os achei uma boa banda de rock, mesmo sem conseguir atingir o primeiro escalão. Clássicos não faltaram, como "Fire woman", "Lil' devil" e "She sells sanctuary". Tinha esperança de ver "Edie (Ciao baby)" em versão elétrica, mas não foi dessa vez, e músicas do disco Ceremony fizeram falta, como "Heart of soul" e "Wild hearted son". Billy Duffy, guitarrista e "rifeiro" de mão cheia, agradou pelo peso e pelos solos, mas o vocalista Ian Astbury não conseguia esconder sua decepção, quando achava que o público não agitava como ele queria. Foi a única vez que vi in loco uma certa animosidade entre artista e o público.

2007 ― Logo em março, dois shows: Bryan Adams e Asia. Do primeiro, você pode rir à vontade, porque é meio brega mesmo, principalmente em baladas detestáveis como "Everything I do (I do ir for you)" e "Have you ever really loved a woman". Não era surpresa que as mulheres (em grande número) se refestelavam nessas músicas e os namorados preferiam "Summer of 69" e "Cuts like a knife" (gostei também da "Open road", do disco recente). Bryan Adams é o típico entertainer. Fala com o público, é simpático, tira fotos com todo mundo e sabe comandar bem um show que agrada particularmente aos casais. Já o Asia tinha acabado de voltar com sua formação original e estavam preparando um álbum de estúdio (o ótimo Phoenix). Vi boas performances de clássicos dos dois primeiros álbuns e músicas de outras bandas de seus integrantes: Yes; Buggles; Emerson, Lake & Palmer e King Crimson. Em abril, era a vez do Aerosmith, que eu havia perdido no Hollywood Rock de 1994. A abertura do Velvet Revolver foi bastante prejudicada pelo som, mas não deixou de revelar uma banda de segundo escalão já em vias de se dissolver. O Aerosmith fez o que sempre soube fazer. Steven Tyler e Joe Perry, os "toxic twins", possuem pleno domínio do palco e comandaram o espetáculo com vigor, apesar da idade. O repertório estava recheado de hits, como "Love in an elevator", "Walk this way" e "Sweet emotion". Sempre nutri sentimentos dúbios pelo Aerosmith: quando se propõem a tocar rock, eles são arrasadores. Mas quando resolvem melar a cueca, são incrivelmente chatos e pegajosos. Mesmo assim, souberam equilibrar bem essas duas "faces" no palco. Os saudosistas (como eu) puderam vibrar com "Toys in the attic" e as patricinhas se lambuzaram com "I don't wanna miss a thing". E em dezembro, The Police no Maracanã. Ok, eu já tinha ido ver o Sting, mas The Police é especial ― então fui de novo ao Rio e me comprometi a fazer a pauta para o Jornal da Tarde. Era a primeira resenha que eu faria para um jornal e me senti muito "profissional", mas a verdade é que foi só uma oportunidade que encontrei para mostrar serviço, já que eles não mandariam ninguém ao Rio para cobrir o show.

2008 ― Eu já tinha visto o Whitesnake em 1997, num festival ao lado de Queensryche (outra banda que adoro) e Megadeth. Dessa vez era a turnê do ótimo Good to be bad e apesar do trânsito inacreditável de São Paulo naquele dia, cheguei a tempo de pegar a quarta música e colocar algumas impressões sobre o show (e do disco) aqui mesmo, no Digestivo. No final do ano, o Duran Duran voltava ao Brasil e aproveitei para levar minha namorada ao show, que se revelou mais um ótimo programa para casais. O Duran Duran é realmente uma grande banda pop e se nos últimos anos andaram meio longe dos holofotes, tinham hits de sobra para distribuir no palco, destaque para o clássico "Save a prayer" e para o groove de "Notorious".

2009 ― Nunca tinha ido a um show do Black Sabbath por um único motivo: eu sempre preferi a fase com Ronnie James Dio nos vocais da banda (o que, para muitos, é um sacrilégio). E, para minha felicidade, essa formação veio ao Brasil, sob o nome de Heaven and Hell. Mais uma oportunidade para fazer essa pauta, agora para o "Caderno 2", do Estadão. Em novembro, fui ao Maquinária Festival para ver o Faith No More e gravei um Tungcast com Rafael Fernandes sobre essa noite, que também teve Jane's Addiction (bom) e Deftones (fraco). Ainda em novembro, o AC/DC voltava ao Brasil. Eu tinha ido em 1996 na turnê Ballbreaker, mas o disco Black ice me empolgou demais e, graças à mais um desses truques do destino, pude ver o rock áspero e sem frescuras desses senhores e gravar mais um Tungcast sobre essa experiência. E ainda havia tempo para, em dezembro, ver Glenn Hughes no Carioca Club, uma obscura e minúscula casa de shows (de infraestrutura sofrível) que abriga o circuito pagodeiro da cidade. O setlist foi basicamente composto pelos clássicos dos discos Burn e Stormbringer, da lendária (e, para mim, melhor) formação do Deep Purple, além de algumas músicas da carreira solo. Hughes, também conhecido como "The voice of rock", é uma figura cult na seara classic rock e heavy metal. Por todo o show, desfilou seu exuberante alcance vocal e mostrou toda a sua influência soul-funk. Uma curiosidade: horas antes da apresentação, aproveitei para "cutucar" Glenn Hughes pelo Twitter, questionando se ele tocaria alguma coisa do disco Seventh Star, de sua passagem pelo Black Sabbath. Para minha surpresa, ele respondeu, via Direct Message, o seguinte: "sorry D...I only will play Sabbath with my Brother Iommi... enjoy the show...it will Rock...G". Foi aí que me ocorreu como o Twitter pode ser uma ferramenta poderosa para artistas que estão alheios ao hype atual. Como as coisas estão mais divididas em nichos hoje, o Twitter é um grande canal de aproximação entre o artista e seu público ― e Glenn Hughes sabe usá-lo melhor do que muito artista "da moda".

E, finalmente, em 2010, apesar de não estar exatamente dentro dessa primeira década do milênio, ainda tive tempo de ver o Metallica, agora em janeiro. Nunca fui um grande fã da banda, apesar do respeito que tenho por ela. Eu nem planejava ir, mas, a exemplo do que ocorreu no AC/DC, o destino (afinal, será que isso existe?) colocou um ingresso na minha mão a poucas horas do show. E compareci, claro. O sentimento é bastante diferente quando você vai a um show em que você não compartilha do fanatismo cego da grande maioria. Gostei particularmente das quatro músicas que eles tocaram do Black album, que me levaram de volta ao início dos anos 90, e dos clássicos "One", "Master of puppets" e "Seek & destroy". Só lamentei o fato de não ter nada do ótimo Load no repertório, devido à polêmica que o disco causou pela sonoridade diferente. E é exatamente por isso que eu admiro e respeito o Metallica: eles não têm nenhum medo de arriscar. No fim, isso tudo foi mais um exercício edificante em meus estudos sobre o "fundamentalismo headbanger".

Todos temos aqueles shows que sonhamos em ver algum dia. Alguns desses sonhos não podem mais ser realizados. Se já não posso ver Jimi Hendrix, Stevie Ray Vaughan ou Miles Davis, acredito que eu já tenha ido à maioria dos artistas e bandas (ainda vivos) que admiro. Está certo, em alguns casos não foi possível ver algumas bandas "integralmente". Se não pude ver o Pink Floyd, vi o Roger Waters e se não pude ver o Led Zeppelin, vi o Jimmy Page & Robert Plant (no Hollywood Rock de 1996). Mas mesmo assim sempre ficam faltando alguns. Ainda quero ver minhas bandas grunge favoritas, Alice in Chains e Soundgarden. Gostaria de ver Pat Metheny (o guitarrista mais imprevisível e fora dos padrões que tenho notícia) e quero ver as novas superbandas Chickenfoot e Them Crooked Vultures... Mas, sobretudo, eu preciso ver o Van Halen. Enfim, essa foi a minha saga de shows da década. Mas, como vê, minha cruzada ainda não terminou. E espero que nessa década 2010-2020 eu possa completá-la.

Nota do Editor
Leia também "Shows da década (parte 1)".

Diogo Salles
São Paulo, 20/4/2010

 

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