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Terça-feira, 8/6/2010
O novo frisson da Copa
Jardel Dias Cavalcanti

Anuncia-se a Copa! Lentamente começam a aparecer as horríveis bandeirinhas verde-amarelo, de plástico vagabundo, nos lembrando que temos uma bandeira e um time para torcer. Os pequenos retângulos coloridos, colocados em um pequeno suporte de plástico, madeira, ou seja lá o que for, multiplicam-se feito barata. Primeiro, nas janelas de um carro ou outro, mas rapidamente vão tomando conta do cenário, fazendo perder de vista quantos carros carregam a pequenina flâmula dupla-cor. Uma puxa a outra e assim sucessivamente. Depois aparecem nas janelas dos apartamentos, amarradas a postes, árvores, varandinhas de bar ou casas. Onde quer que você estiver poderá ver uma delas a poucos metros de seu alcance.

Em seguida elas vão migrando para as latas de cerveja, as camisetas, as havaianas, os álbuns de figurinhas, os brinquedos, as propagandas de banco, o sorvete, os plásticos das balas, os automóveis, as lojas variadas, ou seja, em tudo o que for possível fixar uma pequena imagem. Contaminando cada pedacinho do nosso território, não temos como escapar à visão da Bandeira do Brasil.

Pode-se perceber um certo orgulho nas pessoas que se dispõem a carregar e balançar o pequeno pedaço de papel ou plástico cor verde-amarelo. O Brasil retoma sua autoestima num campo onde se acredita vencedor. Nos outros campos (saúde, educação, direitos humanos, democracia racial), não temos tanta certeza em honrar a nossa bandeira, por isso ela desaparece fora da Copa. Não faz sentido ficar por aí carregando algo que nos envergonha.

Os campos de pelada ficam mais e mais cheios de moleques, rapazes, homens, todos querendo experimentar o prazer de ver e ter a bola rolando nos seus pés como se fossem os jogadores escolhidos para o evento da Copa. Corre-se para lá e para cá, no sonho de nossas pernas a golear o inimigo como se fossemos os craques a vencer nossos concorrentes.

A multiplicação das imagens da Copa vai ganhando campo. Passa-se em revista todos os jogadores de todos os times, suas potencialidades e fraquezas, como se não houvesse assunto que pudesse competir com esse. Cada frase emitida por um jogador é devidamente comentada, algumas vezes até a exaustão. Cada pequena torção ou machucado de jogador é recebida com suspiro pelos fãs ardorosos e multiplicada pela mídia para que o planeta todo saiba.

Jogadores tornam-se heróis se são escalados para a seleção que vai jogar na Copa. Da mesma forma que uma alegria homérica, contagiante, acomete os selecionados para a Seleção, dores inconfessáveis atormentam os deixados de fora desta vibrante competição. Sabe-se que ali, naquele gramado observado pelo mundo, encontra-se uma das melhores chances de se poder fazer o pé-de-meia, tornar-se referência e, consequentemente, ricaço, se vir a ser comprado por um time milionário. o quanto de dinheiro se poderá ganhar em propagandas nem se fala. Por isso, perder essa chance é perder não só uma aventura esportiva, mas também um futuro tranquilo deitado em berço esplendido de euros.

Um novo frisson nos toma de súbito! Estamos preparados para a maior competição esportiva do mundo. As tabelas nos indicam a que horas o país vai parar. Telões são construídos e dispostos em praças públicas, bares aumentam o tamanho de suas TVs para o público ver melhor seu jogo. Inúmeras trombetas ensurdecedoras são levadas por um público irritadiço, que a sopra de dentro de sua intranquilidade, pois embora psicologicamente autoconfiante, esse mesmo público está ao mesmo tempo temeroso do fracasso. Por isso, gritar, espernear, soprar cornetas, soltar foguetes é a terapia do stress que se avizinha.

A cada dia que se aproxima, esse frisson nos deixa mais excitados. Não vemos a hora de nos perdermos dentro dessa competição. Quando nosso hino for tocado, nossos pelos vão se arrepiar, nossos olhos se encherão de lágrimas, nosso coração baterá mais forte. A contaminação foi um sucesso. A mídia forçou a barra, alimentou sonhos, criou expectativas e ilusão. Deliciosa ilusão, eu diria, para não cortar barato.

O comércio cresce junto: camisetas, brinquedos, bolas, cerveja. Deslocamentos nacionais ou internacionais ampliam o turismo. Fabricação de penduricalhos leva produtores e consumidores a uma relação de consumo legitimado e sem culpa. Tudo para se tornar uma pessoa verde-amarela, com direito a chapéu, camisa, short, sandálias, trombetas etc. Quem estiver de fora, não é bom da cabeça.

A ideia de unidade nacional, de uma força única, se faz presente. A crença num objetivo comum nos une na alegria e tristeza desta Copa. A massa manipulada sente que ela é quem está manipulando, tornando cabível sua alegria destemperada ou sua dor exaltada. Todos se movem num único coração, como se cantou em outros tempos. A falsa ideia de unidade nacional (tão cara a regimes fascistas) é um dos pilares da Copa, onde se abolem as diferenças de classe, cultura e tudo o mais. Todos se sentem unidos, quer estejam na frente de uma TV de plasma ou ouvindo o jogo num radinho de pilha.

Há algo de redenção simbólica nesses jogos. Há a vitória do talento sobre a força econômica e sobre o poder político dos países do primeiro mundo. Há um sentimento de revanche. Ou não?

Pouco importa tudo isso agora se estamos cegos para ver o que não seja a Copa do Mundo, com seus atletas convertidos em heróis a nos dar a alegria contagiante da vitória ou a tragédia da derrota vergonhosa. Façam suas apostas.

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 8/6/2010

 

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