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Sexta-feira, 16/7/2010
Marina Silva (a terceira via?)
Rafael Rodrigues


Marina Silva no traço de Paulo Caruso

Quando se fazem comentários ou previsões sobre uma eventual vitória de Marina Silva nas eleições para a Presidência da República, um dos pontos mais abordados se refere à governabilidade. O escritor Milton Hatoum, ele mesmo um amazonense, e talvez seja por isso que vê com bons olhos a candidatura de uma pessoa verdadeiramente preocupada com o meio-ambiente e com o desenvolvimento sustentável, diz, em um artigo, que "se Marina Silva for eleita, seu primeiro grande desafio será a governabilidade. Como o PV vai obter uma maioria no congresso nacional? Com minoria no congresso, é impossível governar. É nesse momento que a chantagem e a barganha por cargos entram escancaradamente em cena e minam as boas intenções de qualquer Presidente da República".

Lembremos que, em nome da governabilidade, o presidente Lula e o PT fizeram as mais improváveis e escusas alianças políticas já vistas no Brasil. Nunca antes na história desse país, para utilizar um dos bordões do presidente, vimos tantos conchavos até então impossíveis de serem realizados. Foi em nome da governabilidade que o PT apoiou José Sarney, figura sempre envolta nos mais abomináveis fatos e escândalos. Foi em nome da governabilidade que o PT recebeu, de braços abertos, o apoio de Fernando Collor de Mello, aquele nosso ex-presidente que, entre outras coisas, transformou a economia brasileira em um verdadeiro caos.

Tais alianças foram/são defendidas com unhas e dentes por petistas. Segundo eles, foram acordos inevitáveis; caso não fossem feitos, seria muito mais difícil ter a maioria necessária no Congresso para aprovar projetos etc. Daí que o raciocínio lógico, quando se trata de uma eventual vitória de Marina Silva, é mais ou menos o seguinte: se o PT, que é um grande partido, que vem ganhando terreno nas últimas eleições, aumentando o número de prefeitos, governadores e deputados eleitos, tem dificuldades para governar e precisa trocar apoio com José Sarney, Fernando Collor e outros que tais, o PV, pequeno que é, não conseguiria fazer nada, aprovar nada, propor nada. Caso a chapa do PV vença a eleição, o Brasil seria "ingovernável".

Questionada sobre isso em sua mais recente participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, transmitido no dia 14 de junho de 2010, a candidata disse que iria tentar o que nunca antes foi tentado: uma conversa com PT e PSDB, para quem sabe desse diálogo surgir uma coalizão em prol do Brasil. É utópico? É. Mas é impossível? Não.

A eleição de Lula em 2002 foi um acontecimento excepcional, é verdade, mas se comparada com uma eventual vitória de Marina Silva, não seria tão emblemática. Antes de 2002, Lula disputou três vezes a presidência. Em mais de dez anos tentando chegar ao Planalto, não apenas ele, mas também o PT mudou bastante. Deixou de lado certos posicionamentos extremados e foi, de certa forma, se centralizando. Tanto Lula quanto seu partido se distanciaram da esquerda utópica e se aproximaram da esquerda possível. Não foi à toa que, durante a campanha, chamavam o então candidato de "Lulinha paz e amor". Isso é tão visível a olhos nus que a distância entre a esquerda defendida hoje pelo PT e a direita, representada com mais destaque pelo PSDB, não é a mesma de 8 anos atrás.

Quando Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos, em 2008, muita gente comparou o acontecido com a vitória de Lula em 2002. Mas a candidatura que mais tem semelhanças com a de Obama é justamente a de Marina Silva. Primeiro, pela cor da pele. Dizemos que não, mas somos, sim, uma nação preconceituosa. Apesar de nossa população ser composta, em sua maioria, por pessoas negras, o Brasil tem constantemente provado ― e isso volta e meia é noticiado ― que é um país racista. Não tanto como os Estados Unidos são/foram, é verdade, mas um grande número de brasileiros carrega esse preconceito deplorável em suas costas. Segundo porque Obama venceu a eleição na primeira vez em que disputou, o que pode acontecer agora, com Marina. E terceiro porque teríamos no poder uma pessoa preocupada com o desenvolvimento sustentável e com o meio ambiente ― apesar de o presidente norte-americano estar desapontando não apenas sua nação, mas o mundo inteiro, no que se refere às questões ambientais.

É preciso reconhecer que o Brasil progrediu muito nos últimos 8 anos. Não há como negar que o governo Lula fez muitos avanços, mas é preciso também admitir que muito mais poderia ter sido feito. A educação não pode ser tratada como vem sendo, por exemplo ― nem pode ser tratada de maneira pior, como fez o governo anterior; uma ironia, aliás, visto que o ex-presidente é um intelectual que coleciona títulos de doutor honoris causa, conferidos por diversas universidades conceituadas. A saúde pública, no Brasil, merece maiores cuidados, mais investimentos, assim como a segurança pública. Entre os três candidatos à presidência de maior destaque, Marina Silva é provavelmente a que melhores condições tem de lidar com esses assuntos, que deveriam ser "prioridade zero", como diria Lula, mas que não foram assim tratados pelo seu governo.

Mesmo sendo a mais íntegra e equilibrada entre os três principais candidatos, Marina Silva vem sendo constantemente alvo de mal-entendidos e comentários levianos por conta de sua religião. De formação católica, Marina converteu-se ao evangelismo, e sua escolha religiosa não é bem vista por muitas pessoas. Suas declarações sobre questões polêmicas como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo volta e meia são distorcidas. No Roda Viva ela, mais uma vez, esclareceu sua visão a respeito desses assuntos: quanto ao aborto, prefere que seja feito um plebiscito para as questões não previstas em lei (a legislação brasileira permite o aborto em caso de gravidez consequente de estupro, por exemplo); sobre os homossexuais, ela é contra qualquer tipo de preconceito ― óbvio ― e é a favor da união civil, mas é sincera ao dizer que não é a favor do casamento. São posições muito claras e sinceras, mas ainda há quem tente inventar factóides para prejudicar a candidata. Um jogo sujo e baixo, coisa que infelizmente predomina na política.



Depois da vitória do PT em 2002, criou-se o slogan de que "a esperança venceu o medo". Agora, depois desses 8 anos de governo Lula, talvez o slogan devesse ser outro. "As promessas deram lugar à incompetência", ou algo do tipo. A esperança, a verdadeira esperança, de um país mais justo e mais igual, e não apenas aparentemente igual ― porque, da forma como as coisas foram feitas, a distribuição de riqueza no país continua a mesma e, se falarmos a verdade, não foram as classes mais baixas que foram "promovidas" à classe média, mas sim a classe média que caiu alguns degraus ― renasce agora, na figura de Marina Silva. Uma mulher negra que trabalhou em seringais, foi empregada doméstica, estudou, diplomou-se, elegeu-se senadora por um estado que dizem não existir (o Acre; mas foi de lá que também veio o gênio Armando Nogueira) e que agora tem a chance de chegar à Presidência da República Federativa do Brasil. Sua luta, como já disseram por aí, parece a de um Davi contra não apenas um, mas dois Golias. Ela pode vencê-los? Nós podemos finalmente fazer deste país uma terra mais justa para todos?

Sim, ela pode. Sim, nós podemos.

Nota do Autor
Meus sinceros agradecimentos a Diogo Salles, Guilherme Montana e Rafael Fernandes pelas conversas sobre política, que foram de suma importância para a finalização deste texto.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 16/7/2010

 

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