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Terça-feira, 6/7/2010
A derrota do Brasil e as arbitragens na Copa
Humberto Pereira da Silva

Em 2006, na Alemanha, para muitos o ambiente na seleção brasileira foi uma zorra. A imprensa teve acesso praticamente em tempo integral ao cotidiano da seleção. Com isso, se pôde creditar a perda de foco que teve como desfecho a derrota para a França. Com a escolha de Dunga para técnico nessa Copa de 2010, a "filosofia" foi radicalmente alterada. O resultado, no entanto, é que a seleção ficou exatamente onde ficara em 2006: nas quartas-de-final.

Antes de qualquer arroubo passional pela derrota e escolha de vilões, tenhamos paciência, levemos em conta um "ridículo" exercício de lógica. Devo fazer uma escolha entre duas possibilidades excludentes (ser ou não ser técnico da seleção, por exemplo). Se escolher a primeira alternativa, eu posso ou não ser bem-sucedido (ser "mais ou menos", nesse caso, é não ser bem-sucedido). Se, por outro lado, eu escolher não ser técnico, serei ou não bem-sucedido em qualquer coisa que eu escolher, como recusa da opção de ser técnico da seleção. Esse é um exercício "ridículo" e, como se diz no senso comum, É LÓGICO!

Lógico aqui não é outra coisa senão que não há qualquer garantia de bem-aventurança na escolha. Grupo fechado ou grupo aberto não implica em nada além da simples escolha. Que isso, portanto, fique de lição para sempre: toda e qualquer escolha vem com a recomendação de riscos na embalagem, como uma bula de remédio, com suas devidas contraindicações. O Brasil perdeu porque houve falhas individuais, óbvio, como também não foi a eficiência da defesa holandesa que propiciou o gol de Robinho. Falhas precisam ser lembradas? Sim, mas não se pode esquecer que não é possível não haver falhas.

Passado o jogo e a derrota contra a Holanda, o que pareceu revelador foi o medo da derrota. Ao rever recentemente um vídeo da Copa de 50, ouvi de Alcides Ghiggia, autor do segundo gol do Uruguai naquela traumática final, que após o gol de empate os brasileiros ficaram paralisados. Eis um fator a ser lembrado: em 58 o Brasil virou na final, contra a Suécia; em 62, no dramático jogo contra a Espanha, e na final, contra a Tchecoslováquia; em 70 na semifinal, contra o Uruguai (jogo em que a sombra de 50 se fez presente); em 2002 na estreia, contra a Turquia, e no difícil jogo contra a Inglaterra.

Quando o Brasil foi campeão mundial, apenas na Copa de 94 não houve virada heróica, mas essa Copa é uma exceção à regra: Baggio, eleito pela FIFA melhor do mundo em 93, desperdiçou o pênalti que deu o título. Para vencer uma Copa do Mundo é preciso superar as adversidades, ter autoconfiança para superar falhas e se impor. Quando testada efetivamente nessa Copa, a seleção de Dunga não revelou suficiente autoconfiança para inverter uma situação adversa e sucumbiu diante da Holanda. Vale dizer que autoconfiança, como muitos podem imaginar, não se adquire simplesmente num ato de vontade: ela se revela na ação. Não basta querer mostrar confiança, é preciso que o adversário sinta que um gol tomado não abala a capacidade de reação. Mas no jogo contra a Holanda, o medo de perder foi mais forte do que o sentimento de que se podia virar o jogo. É isso que está por trás do que Ghiggia disse sobre a final de 50 e que novamente se viu na seleção brasileira: paralisados com a iminência da derrota.

Falhas individuais? Os vilões de sempre? Em 74, na Alemanha, Luiz Pereira foi expulso na derrota para a mesma Holanda. Agora foi a vez de Felipe Melo. Pode-se purgar o infortúnio com as bruxas da vez. Isso, contudo, é o lado maldoso de cada um, psicanaliticamente denegado. Na vitória, não há falhas, por isso, não nos lembremos do frango do goleiro Felix no gol do Uruguai em 70, nem do pênalti infantil cometido por Nilton Santos contra a Espanha em 62, que não foi marcado pelo árbitro, tampouco tenhamos em mente a falha bisonha do grande Lúcio no gol da Inglaterra em 2002.

* * *

Acima falei de falha de arbitragem na Copa de 62. Falhas de arbitragem sempre há. Falemos então de falhas e do eventual uso de dispositivos tecnológicos para evitá-las. A discussão ficou bem acalorada com o gol de Lampard, na partida entre Inglaterra e Alemanha, uma vez que todas as imagens mostraram que a bola havia passado a linha de gol. Mas o árbitro não validou o gol. Essa discussão também ficou acalorada com o gol de Tevez, na partida entre Argentina e México. O gol, validado pela arbitragem, foi feito em impedimento, como todas as imagens mostraram.

Embora tenha havido inúmeras outras falhas de arbitragem na Copa, esses dois lances, que ocorreram no mesmo dia em partidas diferentes, mobilizaram aficionados de todo o mundo. O que muitos expressam é a necessidade de a FIFA fazer uso de dispositivos tecnológicos que evitem situações em que uma das equipes é visivelmente prejudicada. Se muitos desejam o uso de tecnologia, há também os que invocam que um dos aspectos que dá charme ao futebol é justamente a falibilidade do árbitro e as controvérsias que suas decisões provocam. Não à toa, o gol de Lampard trouxe à memória a final da Copa de 66, entre Inglaterra e Alemanha, quando o gol de Hurst na prorrogação desempatou o jogo e praticamente selou a vitória dos ingleses; mas a bola de Hurst, ao contrário da de Lampard, teria pingado na linha do gol, como as indefinidas imagens da época parecem revelar (vale observar, para bem julgar, que as imagens de que hoje dispomos são exageradamente mais definidas que as de 66). Ou seja, a Inglaterra teria chegado ao título com um gol que, de fato, não ocorreu.

Uma vez que a definição das imagens hoje é notória e a possibilidade do uso de dispositivos para dirimir dúvida é inconteste, parece óbvio que apenas interesses exclusos (manipulação de resultados, por exemplo), justificariam que a FIFA se mantenha surda ao clamor. Há nessa discussão sobre o uso de tecnologia para dirimir dúvida no futebol, contudo, um ponto que precisa ser realçado: o gol de Lampard ocorreu de fato, a bola cruzou a linha, como reza a regra. Com o gol, apelemos para o senso comum "é lógico": o resultado da partida não seria o que foi. A Alemanha chega às semifinais da Copa com o resultado de um jogo que não corresponde ao que de fato ocorreu. E para tanto, se não se pode ser tão assertivo em relação a 66, o mesmo não se pode dizer agora: todos que viram as imagens sabem que foi gol de Lampard.

A respeito do gol de Tevez, contudo, não se pode dizer a mesma coisa. Pode parecer estranho, mas não o é. No caso, mesmo impedido, Tevez marcou o gol, mas nem sempre uma situação de impedimento implica num gol. O impedimento deve ser ou não marcado antes da conclusão da jogada. Ou seja, assinalado o impedimento, a jogada está parada. As circunstâncias do gol de Tevez revelam a singularidade da situação, que não seriam as mesmas num outro lance em que um jogador eventualmente impedido concluiria o lance. No gol anulado de Robinho contra a Holanda, eu ouvi pela TV o apito antes da conclusão do lance. Robinho ouviu ou não o apito? O uso de dispositivos tecnológicos quando um jogador estiver impedido implica em parar ou não a jogada? Se sim, a presença do árbitro numa partida de futebol se reduziria praticamente à mediação da tensão entre os jogadores. Nesse caso eu concordo que o erro faz parte dos riscos do jogo, num lance em que não há como saber seu desfecho.

O uso de tecnologia no futebol para "auxiliar" a arbitragem precisa ser pensado com cuidado, para não ficarmos em casuísmos e discussões tolas. Quando a bola cruza ou não a linha do gol, a marcação ou não do árbitro implica de fato numa alteração do resultado da partida. Uma situação de impedimento ou um pênalti não altera o resultado: Azamoah Gyan, Cardozo e Xavi Alonso sabem bem isso.

Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 6/7/2010

 

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