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Quarta-feira, 7/7/2010 Seleção, que sufoco Adriana Baggio O brasileiro é vítima de sua própria paixão. Como aquele tipo de amor que, de tão forte, sufoca a pessoa amada. Acontece entre homens e mulheres, pais e filhos, amigos. E, por que não, entre torcedor e seleção. O amor do Brasil pelo futebol e, consequentemente, pelos jogadores que representam nosso país, talvez prejudique uma visão mais clara da situação, de tudo que envolve uma competição como a Copa do Mundo. Essa paixão cria um tipo de expectativa que hoje não é mais tão realizável quanto há alguns anos. A seleção brasileira por si só, e também em comparação com as seleções de outros países, já não pode ser vista como o escrete de 1970. O amor pelo time do Brasil e a certeza sobre seu desempenho são mantidos vivos, alimentados a cada amistoso, a cada Olimpíada, a cada Copa América e Copa do Mundo. As novas gerações são iniciadas neste amor e já nascem apaixonadas, mesmo não tendo vivido os anos de glória do futebol brasileiro. E é tanto sentimento que perdemos o foco, deixamos de ver nas entrelinhas, nos recusamos a perceber que o futebol mudou e o futebol brasileiro também. Aquelas jogadas incríveis, do tipo que Garrincha e Pelé fizeram nos bons tempos, são cada vez mais raras ― apesar de esperarmos por elas a toda hora, e acharmos que são elas que caracterizam nosso futebol. Os jogadores de hoje são piores? Acredito que não. Eles são diferentes, porque o jogo também está diferente. Jogadores ganham mais, são mais cobrados, têm uma outra expectativa de carreira. Ser um craque há algumas décadas era algo que surgia naturalmente. O cara era bom e a ideia de estar em forma era diferente de hoje. Não havia tantas coisas em jogo. E hoje, como é? Um jogador desponta com seu talento, faz jogadas lindas no seu clube. Ganha destaque no campeonato nacional, é comprado por algum clube europeu e entra no esquema de lá. Muito dinheiro, futebol como profissão, corpo controlado até o limite. Alguns aguentam o tranco, crescem, amadurecem e aprendem como as coisas funcionam. Outros não dão conta de tanta cobrança, nem de tanto dinheiro e sucesso. Em um campeonato mundial, hoje, não há mais tanta diferença entre as seleções. Os melhores jogadores de todos os países passam o ano jogando juntos, na Europa. Na Copa, passam a defender seus países. Mas trazem consigo o jeito de jogar e a atitude que desenvolveram em seus clubes. E se não há mais tanta diferença assim, o antológico futebol-arte do Brasil talvez já não exista, ou esteja bem mais diluído. Não perceber isso é o que nos faz, ainda, acreditar em uma grande supermacia do Brasil e a reclamar de qualquer jogo que não seja deslumbrante ou resultado que não seja retumbante. Será que os resultados meio apagados, mas corretos, que tivemos em alguns jogos, não é a tendência predominante daqui pra frente? E neste contexto ainda tem o coitado do técnico. Sempre gostei de algumas coisas no Dunga: o jeito sério dele, às vezes interpretado como mau humor; a firmeza ao defender sua posição de líder de uma equipe; a independência (ou a tentativa de) em relação à imprensa. Quando saiu a escalação para esta Copa, muitos criticaram a não convocação dos meninos do Santos e do Adriano. Pois bem, vamos ver: será que os meninos da Vila, por mais brilhantes que tivessem sido no campeonato nacional, teriam cacife para segurar a onda de uma Copa? E a adequação deles em uma tática de jogo totalmente diferente da que estavam acostumados ― mais ao estilo europeu que ao jeitinho brasileiro? E quanto aos outros jogadores, que vinham sendo preparados durante meses ou anos? E a imaturidade deles, natural da idade e da pouca experiência? Com o Adriano, pior ainda. Um jogador brilhante, forte, mas instável e imaturo. Um atleta com problema de disciplina, sem controle emocional, não combina com uma preparação para Copa do Mundo. Será que a possibilidade de uma jogada genial compensaria toda instabilidade que uma pessoa assim poderia provocar no grupo? E qual a mensagem que ficaria, caso ele tivesse sido convocado? Quem trabalhou duro, foi fiel à estratégia e ao técnico é preterido por um jogador mais da fama do que desempenho real. Se formos estabelecer uma comparação com o ambiente corporativo ― o que é cada vez mais pertinente em relação à nossa seleção, visto a quantidade de aspectos mercadológicos em jogo ― a atuação do Dunga era muito coerente. Foi-se o tempo em que as empresas aguentavam um funcionário genial, mas de temperamento instável ou indisciplinado. A genialidade não compensa o trabalho, o incômodo e o mau exemplo de uma figura assim. Portanto, valoriza-se muito mais a competência com regularidade, disciplina e fidelidade do que façanhas incríveis, mas esporádicas. Mas o mundo dos negócios é frio, enquanto no futebol há calor e paixão. E por isso não levamos em conta esses aspectos. Sufocamos o técnico com pressão, e os jogadores com amor e expectativas. Achamos natural que nossa seleção entre de salto alto, apesar de não haver mais clima para isso. Continuamos acreditando que somos os melhores, quando há seleções menos tradicionais correndo por fora e mostrando bons resultados não com base em gênios, mas em treino e trabalho duro. Nos recusamos a acreditar que, para um jogador, talvez seja preferível perder uma Copa do que um bom contrato em seu clube. Que nossa paixão continue. Podemos chorar, podemos ficar deprimidos, podemos até xingar todo mundo. Só não podemos mais alegar surpresa por perdermos uma Copa. O jogo já não é mais tão simples assim ― e não há craque ou técnico que possa reverter esta situação. Adriana Baggio |
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