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Segunda-feira, 19/7/2010 Ainda, sempre, Oranje! Tatiana Mota Vejam a previsão do tempo no dia seguinte à final da Copa do Mundo no jornal holandês De VolksKrant: "Sem campeões do mundo". Uma foto de Sneijder caído no meio do verde campo de Johanesburgo, com blusas espanholas ao fundo traduz a desolação que todos sentiram por aqui, na Holanda. No dia da fatídica partida havia 180 mil pessoas na praça dos museus em Amsterdam, mas poucos minutos depois o enorme espaço estava praticamente vazio. Nesse momento o quase ganhar dói muito mais do que ser eliminado na primeira fase. Não obstante, dias depois certa multidão voltou às ruas da famosa cidade para receber seus vice-heróis. Em vez de andarem em um carro de bombeiro flutuavam entre os canais rumo à mesma praça dos museus, talvez para escrever um novo capítulo nessa história que aqui vem sendo tratada como trauma. Havia muita esperança por aqui, havia muito orgulho laranja estampando as ruas, o futuro rei dos Países Baixos estava acompanhando o jogo ao vivo, as prateleiras do mercado haviam se esvaziado, não havia sequer um saco de chips ou cerveja. Durante a partida, caísse um fio de cabelo na rua seria escutado. O silêncio era apenas interrompido pelos suspiros nos lances importantes. Um nervosismo contagiante, eu estava quase sem unhas, posicionada ali no campo, com a ajuda das câmeras. Pena que o suspiro final, nos minutos finais da prorrogação, foi uma lamúria. Chorei quando vi o novo ídolo chorar. Sneijder derramou muitas lágrimas contemplando o estádio lotado, mas olhando na verdade o infinito vazio. Antes da partida todos eram cautelosos, sabiam que seu oponente era de qualidade, eliminaram a até então favorita Alemanha, mas havia uma esperança enorme, um sentimento de que poderia ser esse o momento dourado, finalmente uma Copa do Mundo. Todos os dias, em todos os meios de comunicação, só se falava na final, e as crianças repetiam: "We worden wereldkampioen", que seria: "Nos transformamos em campeões do mundo". Imaginem as crianças acordando de manhã, perguntando a seus pais sobre o jogo e derramando algumas lágrimas com a notícia do resultado, assim como seus pais e seus avôs o fizeram em 74 e 78? Triste quando um sonho é rasgado pela bola rival assim tão perto de ser realizado. Certo que havia outros sonhos em jogo, e gritaram os espanhóis: "Campeones, campeones", fazendo bastante festa e barulho noite adentro, conforme noticiou uma amiga. Ela disse que a vitória foi importante para esse povo que às vezes se sente menos que os nórdicos. Mesmo aqui, em um continente formalmente unido em questões econômicas e políticas, há ainda uma espécie de hierarquia que faz um país se sentir menos importante frente a outros. Mas na final da Copa os espanhóis foram indiscutivelmente os maiorais, a bola da vez, e foram eles quem puderam tirar de seus armários um uniforme muito especial, com uma linda estrela estampada acima do escudo. Esperamos que o título ajude o país a se unir um pouco mais em meio ao forte clima separatista que assombra a unidade da nação espanhola. Enquanto isso choravam nossos amigos laranjas, subindo ao pódio para receber uma amarga medalha e assistir de camarote à festa espanhola em campos sul-africanos. Os espanhóis beijavam aquela linda taça, e só eles poderiam abraçar a escultura dourada naquela noite. Então pensei em um outro país que já beijou aquela taça cinco, cinco vezes. Nessa hierarquia futebolística, enquanto alguns já têm cinco estrelas em seu uniforme, outros não têm sequer uma. Espero que um dia esse grande complexo seja superado pelos nossos amigos daqui, mas de preferência daqui a oito anos, talvez até em seu país. Mas foi muito lindo assistir à escalada de um time até a final. Um sol alaranjado iluminava até mesmo o inverno que assolava o país africano. As crianças viveram um mês só na bola, jogando suas redondinhas alaranjadas nas ruas, cheias de bandeirinhas. Divertiram-se quando Sneijder sentou no colo do repórter e quando o mesmo repórter narrou emocionado o gol do baixinho contra o Brasil. Antes da partida perguntei ao senhor Gerardus, nossa enciclopédia do futebol, sobre os jogadores mais importantes. Quem é o camisa 10 daqui, antes do baixinho? Não era 10, e sim 14, Johan Cruyff, o grande jogador do futebol holandês, que está no rol de melhores da história do futebol. Apesar de prever a derrota, disse Cruyff ao jornal De Telegraaf que achou bonito assistir a este time, que eles irradiam muita força. Lembro-me então do escudo da Holanda, país de dimensões minúsculas que foi praticamente construído por eles mesmos. Leões, também presentes no uniforme, com os dizeres Je Maintiendra: "eu me mantenho". Sei que eles se manterão fortes e que o laranja jamais deixará de brilhar por aqui. Os sonhos lindos que foram também construídos nesses dias não se apagarão, e um pouco desse laranja jamais sairá de mim. Tatiana Mota |
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