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Quinta-feira, 2/9/2010 A quem interessa uma sociedade alienada? Marcelo Spalding LIANA TIMM© (http://timm.art.br/) Em tempos de Eleições e Twitter, me espanta a quantidade de críticas, ironias e deboches destinados aos candidatos e à classe política. Tiririca, pseudocelebridade de gosto duvidoso, tornou-se porta-voz desse pensamento ao afirmar em pleno horário eleitoral: "O que é que faz um deputado federal? Na realidade eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto. Vote Tiririca, pior do que tá, não fica". Nunca pensei que Tiririca soubesse o que se faz no Congresso, assim como não deve saber como funciona um tribunal, um hospital ou uma universidade. Isso não lhe dá direito a pleitear vaga de juiz, médico ou professor, mas pode, sim, pleitear vaga no mesmo Congresso que debocha (como já o fez Clodovil e tantos outros). Isso é ruim? Não, isso é democracia. Ruim, e muito ruim para a democracia e para a nação, é a alienação declarada de um Tiririca encontrar eco na população, revelando um total desconhecimento do que seja política, ideologia. Evidentemente os escândalos propagados com estardalhaço pela mídia ajudam a afastar o cidadão do fazer político, ampliando a alieanação, mas aí repito a pergunta do título: a quem interessa a alienação? Lembremos que quanto mais enfraquecida a ideologia, mais fortalecido o casuísmo, e mais a sociedade fica vulnerável às mensagens e interesses da grande mídia. Aqui no RS, por exemplo, Ana Amélia Lemos, a mesma jornalista que por décadas criticou os escândalos do congresso, agora candidata-se a uma vaga ao Senado. Será vontade de mudar ou oportunismo? Ou será porque Sérgio Zambiasi, oriundo da mesma empresa, não quis tentar a reeleição? Não estou sendo benevolente com maracutaias e conchavos políticos, mas alguém realmente acredita que nas grandes empresas seja muito diferente? Alguém questiona os absurdos gastos com o salário dos generais do exército, dos ministros do Supremo? A outra face da alienação é a ingenuidade, e não há dúvidas de que a ingenuidade é muito útil para a manutenção do status quo, para que se continue tendo poucas opções de canais de TV, continue se pagando caro pelo acesso à internet, para que os passageiros de ônibus continuem sendo tratados como sardinhas em lata. E útil também para que a parcela podre dos políticos enriqueça a si e aos seus familiares, para que multinacionais gozem de renúncias fiscais, para que magistrados tenham o direito de julgar o aumento do próprio salário, multiplicando-o. Por outro lado, tenho certeza de que a "Geração CQC" exibe-se nas redes sociais mais alienadas e superficial do que realmente é. Quero acreditar que as pessoas ainda saibam que a diferença entre PT e DEM é de visão de mundo, ideológica, não de jingle, cor ou candidato. E não há bem ou mal, certo ou errado, há apenas formas de pensar a sociedade, e é isso, estritamente isso o que deve guiar nosso voto. Um tema central em qualquer campanha eleitoral deveria ser o tamanho do Estado, discussão secular que opôs republicanos e liberais. O que é melhor, um Estado forte, com alta carga de impostos e intervindo em diversas áreas da sociedade, mantendo bancos para a área financeira, escolas e universidades públicas e gratuitas, garantindo acesso à saúde, ou um Estado menor, com baixos impostos e serviços de saúde, segurança e educação privatizados, pois o mercado saberia se autorregular? Repito, não há bem ou mal, certo ou errado, há visões de mundo. Ingenuidade é o discurso da mídia de que o Brasil precisa urgentemente reduzir impostos, que isso é um roubo, aliado ao discurso de melhoria dos serviços, de que precisamos de educação de mais qualidade, saúde de mais qualidade, ampliar os programas sociais. Assim a mídia fica numa posição confortável para tentar agradar gregos e troianos, ainda que saiba ser tudo apenas discurso, pois na prática há uma escolha a ser feita. A mesma mídia, aliás, que aboliu o termo "classes" ou "burguesia" de seu discurso, como se vivêssemos numa sociedade harmônica em que não houvesse ricos e pobres, como se as oportunidades para uns e outros fossem as mesmas, como se não fosse quase impossível para o jovem nascido na periferia ter o padrão de vida da burguesinha ironizada por Seu Jorge. Outro ponto importante: uma vez um professor, falando sobre a diferença e os erros fundamentais do capitalismo e do socialismo, sintetizou a questão numa frase: "é muito difícil termos igualdade e liberdade ao mesmo tempo". Os regimes ou são mais rígidos e tornam a população mais igual ou o contrário. Pois então, e você, entre a liberdade e a igualdade optaria por qual deles? Claro que ninguém irá implantar o comunismo nem o anarquismo no Brasil, mas algumas pequenas decisões passam por essa questão maior, como a isenção de impostos a ricas universidades privadas, que amplia o leque de opções aos estudantes mas aprofunda a distorção entre o ensino de uns e de outros. Embora essas questões ideológicas apareçam mais na Presidência, este critério para escolher um representante deve valer para todos os cargos, do presidente ao vereador que escolheremos daqui a dois anos. Primeiro escolhe-se uma visão de mundo mais próxima a nossa, depois observa-se quais são os candidatos daquele partido, e aí, sim, personificamos o voto em um nome, já que assim o sistema político exige. Do mais, não esqueçamos que os políticos são um espelho do povo, e se Tiriricas e Amélias forem eleitos será porque a mídia ― e sua pasteurização ― está obtendo algum sucesso nas conquistas do poder de fato, além do já consolidado poder simbólico. Marcelo Spalding |
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