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Segunda-feira, 18/10/2010
Agonia
Daniel Bushatsky

Um dos piores sentimentos humanos é a agonia. Ela significa, segundo o dicionário eletrônico Houaiss, "forma de aflição ou sofrimento agudo, de origem física ou moral", que pode nos impedir de tomar decisões ou nos incomodar até conseguirmos chegar a uma solução satisfatória.

E esta agonia vem me perseguindo. É muito difícil se livrar deste sentimento durante nosso dia a dia com as nossas questões internas, nossas experiências e sempre tendo mais o que refletir. Como saber se já está bom? Como fazer escolhas corretas?

Porém, a agonia também pode vir de eventos externos. Separei três que recentemente me incomodaram em demasia. Me sinto aflito só de pensar e gostaria de compartilhar com vocês.

O despertar foi com os 33 trabalhadores chilenos, que passaram mais de um mês e meio soterrados a 700 metros de profundidade, na mina de cobre e ouro San José, na árida região do Atacama. É verdade que não estava lá, mas só de pensar em estar soterrado, sem previsão de ver a luz solar por um bom tempo, já me daria um imenso desespero.

Fora isto, algumas reportagens, embora verdadeiras, destacaram de forma fria que o desastre seria de grande valia para estudos biológicos e sociais nos seres humanos. Se parece até humor negro falar disso agora, que dirá quando eles ainda estavam lá embaixo!

O segundo episódio, afeta a mim e aos brasileiros. Meu Deus, como é que continuamos a ser obrigados a escolher um candidato para qualquer um dos cargos públicos eleição após eleição? De Netinho a Mulher Pêra. De Tiririca, "pior não fica", a Dilma, a mulher que assina o próprio programa de candidatura sem ler. Não sobra um em quem votar! Me dá agonia a falta de vergonha dos candidatos ou de suas famílias, que os aprovam!

Onde está o famoso homem público? Virtuoso, carismático, com jogo de cintura e que não devasta o Imposto de Renda de terceiros de forma tão banal e rude? Que pena... só dá para escolher por eliminação. Amargo ver que o futuro do Brasil está condenado!

O terceiro foco externo de agonia me veio quando eu estava lendo o belo romance histórico de Isabel Allende, A ilha sob o mar. A passagem, que vou transcrever em seguida, envolve o ex-senhor da escrava Tété e a própria escrava, neste momento já com sua carta de alforria em mãos: "Tété lembrou o conselho habitual de Père Antoine e sondou muito fundo em sua alma, mas não conseguiu achar nenhum lampejo de generosidade. Quis explicar a Valmorain (ex-senhor) que, por aquelas mesmas razões, não podia ajudá-lo: pelo que haviam passado juntos, pelo que sofrera enquanto era sua escrava e por seus filhos (conjuntos). O primeiro ele arrancara dela ao nascer, e a segunda seria destruída a qualquer momento, se ela se descuidasse. Mas não conseguiu dizer nada daquilo. 'Não posso. Me perdoe, monsieur', foi a única coisa que disse. Levantou-se hesitante, trêmula pelas batidas do próprio coração, e, antes de sair, deixou sobre a cama de Valmorain a carga inútil do seu ódio, que já não desejava continuar arrastando consigo. Retirou-se silenciosamente daquela casa pela porta de serviço".

O trecho é maravilhoso. Sem comentar o óbvio, como a renovação do personagem Tété que não mais servirá (libertou-se) àquele senhor, mas como também deixou seu ódio lá ― sentimento difícil de livrar, ainda mais depois de seguidos estupros e violências físicas e morais de toda ordem. Fico imaginando se a cena não carrega, também, uma tensão enorme, com Valmorain se humilhando ao pedir ajuda a uma ex-escrava e Tété constrangida, presa em sua humildade, desesperada para sair o mais rápido daquela casa, que a humilhou e açoitou durante anos, negando tal ajuda. Uma revanche? Acho que não!

Mas não é só tensão. O que me deixou com um nó na garganta foram a aflição e sofrimento agudo (agonia!), que ela e os escravos deveriam sentir sem saber seu destino, mesmo que livres. Foi a falta de poder de decisão!

Os três episódios como que caíram em cima de mim. Não tinha intenção alguma de ficar agoniado com eles, mas a aflição tem seu lado positivo: pensar em possíveis soluções e tentar atacar os problemas conscientemente.

É difícil não nos incomodarmos com situações extremas, como as dos mineiros. Já a dos políticos, resta pesquisar e escolher alguém para acreditar. E a da escrava, épocas passadas? A intenção, porém, nesse momento, é só despertar esse sentimento, que poderá ajudar em melhorias. Ou refletimos e melhoramos, ou teremos que conviver com este horrível incômodo dentro de nós.

Enquanto vou pensando como, saio pela porta de serviço...

Daniel Bushatsky
São Paulo, 18/10/2010

 

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