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Sexta-feira, 10/12/2010
A história do bom velhinho
Tatiana Mota

Dezembro no hemisfério norte, iminência de inverno, com data oficial para chegar em 21 de dezembro. Como se imagina, a coisa pode ficar gelada, especialmente para uma "cara tropical", como eu. A primeira semana do mês na Holanda já assustou com temperaturas negativas e neve, e tinha muito Holandês chorando mais que eu, pois já sofrem aqui há mais temporadas. No primeiro dia em que os flocos caíram eu estava em Amsterdam, totalmente despreparada para sobreviver em tais condições, caí deslizando no tapete branco que se formou, quase vindo a parar na água gelada dos canais.

Esse fim de semana, após ver tantas pessoas quentinhas com casacos fofos e chapéus siberianos, percebi que precisava me preparar para essa estação. Aqui também existem multidões nas lojas em final de ano, mas os itens mais disputados eram sapatos peludos e botas de neve, estas em falta em quase todas as lojas. Mas o mês de dezembro traz pessoas muito especiais, foi aí que eu vi; sim, vi o bom velhinho. Aqui ele chegou a meados de novembro. Cabelos brancos, barba alva, roupas vermelhas, perseguido pelas crianças, seria Papai Noel, certo? Errado, seu nome é Sinterklaas, ou Sint para os íntimos.

Ele vem geralmente de barco, vindo da Espanha, em seu cavalo branco, e por mais inverossímil que possa parecer alguém conseguir vir da Espanha até a Holanda de barco e depois se transportar em um cavalo branco, todos os pequenos acreditam. As famílias comemoram no dia 5 ou nos primeiros dias de dezembro em uma festa regada a comidas tradicionais de inverno, trocando presentes e preparando poemas e surpresinhas adicionais aos presenteados. A criançada, apesar da influência atual de outras culturas, ainda fica fascinada com a passagem desse bom velhinho. Elas colocam seus sapatinhos à frente da lareira e esperam ansiosamente receber um presente no dia seguinte.

Os pequenos comportados, listados no rol do livro vermelho, irão receber seus presentes e vários docinhos típicos da época, como uma letra de chocolate com a inicial do seu nome. Mas os malvados terão carvão no sapato. E para entregar essa quantidade de presentes, doces e carvão, "Sinterklaas" conta com seu ajudante, o Zwarte Piet. Ele é engraçado, meio atrapalhado, e sujo com o carvão da lareira. Nesses dias temos visto Zwarte Piets para todo lado, de todas as idades e tamanhos, homens e mulheres, a maioria de olhos claros e com o rosto todo pintado, o que é engraçado de se ver. Alguns não gostam da conotação que a tradição deu ao Zwarte Piet, mas a criançada adora as brincadeiras dele.

E qualquer semelhança com um senhor chamado Santa Claus não é mera coincidência. O Papai Noel que anda pelo mundo distribuindo presentes em seu trenó deve suas origens ao Sinterklaas, pois estiveram os holandeses em seu século de ouro a ocupar, dentre outros lugares, uma tal de Manhattan, já ouviram falar? Quem conhece a famosíssima ilha basta lembrar que ainda há ruas e bairros com nomes de cidades daqui, como Brooklyn e Harlem. No entanto, a verdadeira identidade de ambos é São, São Nicolau. Ele era um líder religioso no século III, mas foi condenado porque se declarou cristão. A lenda de São Nicolau ligada a essa época do ano conta que ele salvou três moças dando a elas os recursos necessários para ter um dote e poderem assim se casar, na época a única saída decente para donzelas. Conta-se que ele arremessou um saco de áureas moedas pela lareira de cada dama, e caíram justamente nas meias que estavam a secar próximas ao fogo aconchegante. Seria verdade ou mito?

Prefiro acreditar na lenda, com essa conotação especial de São Nicolau, assim me sentirei melhor quando tiver que arrancar o último brinquedo da mão da mãe holandesa para levar de presente e ver meu guri se divertindo com a embalagem. Brincadeira, jamais faria isso, as mães holandesas são altas e têm um jeitão que só de olhar já sairei da loja uivando como um filhotinho.

Muitas crianças recebem seus melhores presentes nesse dia, e para o Natal sobra uma lembrancinha mais simples. A decoração de luzinhas e pinheiro de Natal também é geralmente exibida após a celebração do bom velhinho holandês. Durante a semana darei conta de comprar uma letra com a inicial do meu presenteado(a) de Sint, preparar um poema sobre ele/ela, comprar um presente e inventar alguma surpresinha fazendo graça com ele/ela para divertir os convidados, mas a identidade do sortudo(a) só será revelada quando os presentes e surpresinhas forem abertos. Não querendo desmerecer os docinhos saborosos que Sinterklaas trouxe no lombo de seu belo equino, vou preparar uma sobremesa típica da época de frio no Brasil, uma canjica de coco para adoçar o paladar dos que nos visitarão.

As festas de Sinterklaas do modo holandês também ocorrem em outros países do norte da Europa e em cidades brasileiras com presença de imigração desses países como, por exemplo, a cidade de Holambra, no estado de São Paulo. Estive em uma celebração com um Sinterklaas muito especial, o homem por trás da barba branca é filho de um famoso Sint que esteve por muitos anos alegrando as crianças na TV. Ele tem o jeitinho calmo e encantador típico desses bons senhores que no final do ano colocam uma roupa vermelha e fazem a alegria dos pequenos. Vida longa a todos os Sint e Papais Noéis.

Tatiana Mota
Hilversum, 10/12/2010

 

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