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Quarta-feira, 1/12/2010 Sérgio Santos, Edu Lobo e Dori Caymmi Rafael Fernandes Num sábado no começo de novembro, havia duas promessas no ar: a de um temporal em São Paulo e a de um show competente de Sérgio Santos no Sesc Vila Mariana. Enquanto o primeiro fato não se confirmou, o segundo se deu com sobras. Ainda mais pelas luxuosas participações de Dori Caymmi e Edu Lobo. O teatro estava cheio, mas não lotado ― talvez pelo fato de o show ter sido apresentado em três dias seguidos. Mas isso não foi problema, já que o público estava interessado e bem disposto. O único porém é que se o público da MPB é como a amostra desse dia, significa que ele não foi renovado. Embora houve algumas poucas pessoas mais jovens, a maioria era de 20 e tantos para cima, com maior concentração em 40, 50 e até 60 e 70 anos. Um fator que pode indicar essa faixa etária é que Sérgio Santos faz música para adultos: madura e cheia de nuances e improvisos. Quase um contraponto ao Restart. Mas talvez seja mais que isso. Por algum motivo, o público da música brasileira mais sofisticada parece não ter se renovado de maneira proporcional ao seu envelhecimento. O ponto positivo é que os presentes eram conhecedores da música brasileira, dadas as reações ao término de solos, músicas e na apresentação dos músicos. Desde o início destacou-se o violão ritmado e elegante de Sérgio Santos. Em vários momentos foi possível notar duas influências de João Bosco. Primeiro, no tocar, mas de uma forma mais polida. Um estilo de violão parecido, mas como se tivesse saído do botequim, das ruas, e colocado fraque para uma noite de gala. Enquanto Bosco tem uma pegada mais violenta, Santos vai pela discrição. Segundo, nas sílabas sincopadas de algumas melodias e num vocalise meio "zaguigumdum", bem característico do autor de "O bêbado e o equilibrista", "Papel machê" e tantos outros clássicos. "Lá vem a chuva", do álbum Litoral e Interior, além da levada brasileira também tem um clima meio "cool", meio jazzístico que dá um sabor diferente à canção, que é ótima. É uma boa amostra do universo sonoro de Santos, cheio de dinâmicas. Ele faz músicas que respiram e nos deixam respirar. Não é uma avalanche de informação, nem uma produção pasteurizada. "Litoral e Interior" foi indicada ao Grammy Latino de 2010 na categoria Melhor Canção Brasileira. Aliás, esse foi um dos motes do encontro, já que os convidados também foram indicados na mesma categoria. Essa música, do álbum homônimo, também é muito boa e com várias alternativas, com destaque para o clima cinematográfico da parte final. Em "Ganga Zumbi" foi possível ouvir ecos de Milton Nascimento. Não à toa, André Mehmari fez uma brevíssima citação de "Cravo e canela". Aqui, vale um parênteses para destacar esse músico. Pena Schmidt, superintendente do Auditório Ibirapuera, cravou em seu twitter: "Sinta-se bafejado pela sorte de viver ao mesmo tempo que este pianista" (se referia a este vídeo). Não foi exagero. Mehmari é um músico que já pode ser considerado dos grandes artistas da música brasileira. De uma força musical absurda, ele vai do singelo ao brutal sem dificuldades. É chamado por grandes artistas para gravar em seus discos e participar de suas apresentações porque parece não ter limites. É um daqueles raros artistas que unem preparo e bom gosto e que evoluem a cada ano. Não à toa foi praticamente ovacionado no show de Sérgio Santos. E sabe bem se colocar no espetáculo alheio, jogando para o time e aparecendo quando se faz necessário. A banda inteira, aliás, era de alto nível: Rodolfo Stroeter (contrabaixo), Tutty Moreno (bateria) e Teco Cardoso (flauta e saxofone). Dori Caymmi, com seu jeito aparentemente bonachão, fez piada o tempo todo. Porém, não deixou de lado seus comentários ácidos. Em determinado momento, criticou o MST ― em suas, palavras o "Movimento dos Sem Talento" ― na música nacional. O público adorou, claro. Ele abriu sua participação com "Quebra-mar" que, parafraseando a própria música, foi "bonito de se ver". Em seguida, cantou dois clássicos brasileiros: "Desafinado" (Tom Jobim) e "Aquarela do Brasil" (Ary Barroso). Nas duas versões fez uso das suas conhecidas re-harmonizações, ou seja, substituiu acordes originais, inseriu outros, num universo dentro do qual é mestre. Que me perdoem Sérgio Santos e Dori Caymmi, bons compositores e muito competentes, mas quando as músicas de Edu Lobo começaram a ser executadas houve uma mudança de dimensão musical. Canções com riqueza e força raras. E isso não é nenhum demérito aos primeiros citados, longe disso. É que Lobo está próximo do Olimpo dos Deuses da música nacional, onde repousam nomes como Tom Jobim, Pixinguinha, Villa-Lobos, entre outros. Destaque-se aqui que Edu Lobo é um compositor que precisa de intérpretes para que suas músicas ganhem o acabamento que precisam. Ele mesmo tem consciência disso. Antes de cantar a sublime "Beatriz", afirmou, em tom de brincadeira, que não deveria cantá-la depois que Milton Nascimento e Mônica Salmaso o fizeram. Mas iria fazer por um "simples" motivo: é o autor. Antes, já havia apresentado a épica "Vento bravo". Ainda houve tempo para a complexa "Dança do corrupião", originalmente um instrumental chamado "Corrupião", cujo título foi alterado depois da letra criada por Paulo César Pinheiro. Este, aliás, não estava no teatro, mas esteve presente musicalmente. Afinal, é parceiro contumaz de Sérgio Santos, além da já citada parceria com Edu Lobo e, também, com Dori Caymmi. No bis, os três voltaram e o destaque foi "Confluências", de Santos, feita especialmente para o encontro. Ao final do show, o público já estava totalmente conquistado. A música sofisticada brasileira vive (mas sem afetações, por favor). Rafael Fernandes |
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