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Quarta-feira, 8/12/2010
O mundo explicado por T.S. Spivet
Guilherme Pontes Coelho

Os trabalhos ilustrativos de Tecumseh Sparrow Spivet eram publicados em várias revistas científicas nos Estados Unidos. Um deles chamou a atenção da Instituição Smithsonian. Era a ilustração do Carabidae brachinus, o besouro-bombardeiro, "que mistura e expele secreções escaldantes de seu abdome". Para Smithsonian, seu autor merecia montar uma exposição com seus desenhos e ser condecorado com o prêmio Baird.

Este prêmio, que leva o nome de um dos ídolos de Spivet, o ornitólogo Spencer Fullerton Baird, segundo secretário da Instituição (1878-1887) e incentivador do Clube do Megatério, era concedido a quem contribuísse com excelência para pesquisa do mundo natural. Como o próprio Baird, homenageado pelo zoólogo Leonard Hess Stejneger, em 1883, quando batizou o cetáceo Berardius bairdii, baleia-bicuda de Baird; pelo ornitólogo Henry Crecy Yarrow, em 1880, com o batismo da escamada Elaphe bairdi, uma serpente constritora; e pelo naturalista John James Audubon, em 1844, quando batizou de Ammodramus bairdii o pardal norte-americano, do gênero Passer, família dos Passeridae. Spivet tinha "pardal" no nome (Sparrow; sua mãe o batizou assim porque um pardal havia se chocado contra a janela da cozinha no momento em que Spivet nascera). Spivet não tinha palavras. O nome do seu ídolo num prêmio a ele destinado, vindo da instituição que ele mais admirava no país. O que a Smithsonian não sabia era que T.S. Spivet tinha apenas doze anos de idade.

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Spivet nasceu em 1995 e vivia em no rancho Coppertop, em Butte, Montana. Filho de Tecumseh Elijah Spivet e Clair Linneaker. Irmão mais novo de Layton Spivet e Gracie Spivet. Em 2007, Spivet recebeu o telefonema de Gunther Jibsen, subsecretário de ilustração e design da Smithsonian, convidando o ilustrador para visitar a sede da instituição, em Washington, onde receberia o prêmio. Jibsen percebera, por telefone, que Spivet era jovem, muito jovem. Mas não o imaginava tão jovem. Tamanha juventude ficou assustada. Spivet recusou a oferta e desligou o telefone antes que Jibsen pudesse protestar.

Spivet ficou no rancho, lugar onde nasceu e sempre viveu. Onde seu pai, um caubói nato, vivia em silêncio e em perfeita harmonia com o meio ambiente, o aceitando sem questionamentos. Um homem tão diferente dele, Spivet, sempre disposto a investigar a natureza, a desenhar mapas esquemáticos de tudo ao seu redor: colheitas de milho, o avanço de calvície em adultos, o romance Moby Dick, lençóis freáticos, torradeiras elétricas, a sonoridade de trens de carga, expressões faciais, o sabor de Big Mac's, palestras monótonas, a interpretação dos mundos infinitos do físico Hugh Everett III. A lista é infinita. Nada escapava à curiosidade de Spivet. Curiosidade da qual sua irmã, Gracie, a consumidora de música pop e adoradora de longas conversas ao telefone, não compartilhava. Ela vivia se queixando do quão entediante era a vida no rancho. Não havia química entre ele e a irmã. Química, aliás, era o que Spivet queria ter com sua mãe, a quem no livro ele só se refere como "dra. Clair". Ela era cientista. Pesquisadora entomóloga. Spivet a via dia e noite estudando, escrevendo, pesquisando. Como um alquimista em busca da transmutação dos metais, dra. Clair vivia à caça do besouro monge-tigre ― existência do qual T.S., como prefere ser chamado, duvidava.

O besouro, contudo, não era o maior mistério da família. O maior mistério era como seus pais se casaram. Embora compartilhassem do gosto pelo silêncio e da conduta introvertida, seus pais não podiam ser mais diferentes um do outro. Ela, no mundo microscópico das pesquisas científicas, ele, na silenciosa vastidão do mundo natural. Eles mal conversavam. Na verdade, o pai mal conversava com quem que fosse. Talvez o irmão Layton, quando vivo, o ouvisse mais que os outros da família, talvez. O próprio T.S. só ouviria o pai falar mais de cinquenta palavras lá no final do romance. Ah, sim, O mundo explicado por T.S. é um romance do estreante Reif Larsen (Nova Fronteira, 2010, 390 págs., tradução de Adriana Lisboa).

Para T.S. a vida no rancho era solitária. Cada membro da família preso em seu próprio mundo, incomunicáveis. Não era assim quando Layton estava vivo. Layton e T.S. eram amigos, embora tão distintos: Layton era o filho que um caubói de Montana queria ter. Herdara o talento natural do pai para o manejo das atividades no rancho. Aos olhos do deslocado T.S., seu irmão era o menino modelo. Layton morreu de forma acidental e T.S., que presenciou a morte do irmão, se sentia culpado por isso. Viver no rancho já não era tão agradável.

Fora do rancho, uma das coisas que mais incomodava ao menino T.S. eram os stenpocks, um termo por ele cunhado tendo como inspiração seu professor de ciências do sétimo ano, o sr. Stenpock. Um stenpock era "qualquer adulto que insistia em ficar confinado no seu cargo e que não nutria paixão alguma pelo extraordinário ou incrível".

T.S. não tem síndrome de Savant ou similares. Ele é um prodígio, dotado de um imenso talento para ilustração e cartografia e quer descobrir e registrar todos os fenômenos do mundo. Butte era pequena demais para ele. Decidiu aceitar a oferta da Smithsonian. Fez um inventário de tudo que precisaria para viagem e partiu em segredo, sem se despedir da família, rumo a Washington. Uma jornada interior sobre os trilhos da Union Pacific.

Nota do Autor
A edição brasileira deste livro, cujo formato do volume é 17 x 24 cm., está exemplar. Todos os esquemas, mapas, ilustrações, rascunhos e afins que T.S. menciona estão no livro e foram todos desenhados pelo autor, Reif Larsen. A Nova Fronteira os traduziu e reproduziu impecavelmente. O elogio é à maneira como isso foi feito, porque os desenhos são indispensáveis à estética do romance, feito para ser lido em papel. É um livro que já antecipa um certo saudosismo, pois é inviável lê-lo em leitores eletrônicos.
Para ir além





Guilherme Pontes Coelho
Brasília, 8/12/2010

 

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