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Terça-feira, 14/12/2010 Melhores exposições de 2010 Jardel Dias Cavalcanti O ano de 2010 foi particularmente rico em exposições no Brasil. Dos últimos anos para cá, temos tido não só importantes exposições nacionais, mas também um grande número de exposições internacionais. Um repertório que nos enriquece, nos fazendo repensar nossa própria produção e nos atualizando em termos de experiência com a arte internacional, seja ela histórica ou atual. De um ponto de vista geral, estas exposições têm se profissionalizado e gerado um retorno social muito bom. Desde o bom treinamento de guias para escolas, seminários, palestras e encontros para se discutir a obra dos artistas e publicação de catálogos, até o tempo mais longo das exposições, que permite visitas de pessoas de todos os estados. Tudo tem sido bem pensado, proporcionando uma fruição não só no âmbito do prazer artístico, como no do entendimento da arte a partir de sua história e implicações estéticas. Abaixo comentaremos algumas dessas exposições. Este foi o ano da 29ª Bienal de São Paulo. Diferente da anterior, pejorativamente chamada de Bienal do Vazio, esta possibilita um novo fôlego para os amantes da arte contemporânea. Repleta de instalações, pinturas, desenhos, fotografias, vídeos, a Bienal tem levado milhares de pessoas ao seu interior, sejam escolares em visitas guiadas, sejam viajantes de todos os países e do Brasil. Com polêmicas que envolvem a obra de Nuno Ramos (com o uso de urubus na sua instalação) e a do artista Gil Vicente (que desenhou personalidades do mundo da política e da mídia sendo assassinados pelo artista), a Bienal apresentou uma ideia de política que extrapola a ideia de arte engajada tal como era tida nos termos de uma arte política nos anos 60, por exemplo. Aqui, o fato artístico, sua relevância enquanto desconstrução do real, da linguagem, é que foi devidamente pensado em termos de uma ação sobre o mundo. Desse ponto de vista, a Bienal se realizou bem, fazendo os espectadores participarem de uma aventura ao coração do labirinto, da indefinição, experimentando na própria visita o sentido máximo da arte, que é seu poder de revelar o mundo não dentro dos parâmetros de uma definição clara, mas da possibilidade de conhecimento por outra lógica: a da linguagem sempre renovada. O MASP reservou para a última metade do ano três brilhantes e imperdíveis exposições: Lugares estranhos e quietos, do cineasta Wim Wenders; Se não este tempo: pintura alemã contemporânea de 1989-2010 e Deuses e Madonas: a arte do sagrado. A exposição de pintura alemã contemporânea, sob curadoria de Teixeira Coelho, também é bastante importante, dada a qualidade e a quantidade de telas e a variedade de estilos de pintura presentes na seleção das obras. Podemos contemplar desde a arte política pós Muro de Berlin, com relatos críticos contra o imperialismo americano ou a vigilância policial do sistema, até experiências abstratas de caráter geométrico e com uma perspectiva mais expressionista. Pode-se notar nesta exposição influências que passam do realismo socialista à pintura metafísica, do pop à pintura jocosa e alegremente despretensiosa inspirada nos quadrinhos. Com 26 artistas diferentes, temos uma visão ampla do que se faz na Alemanha dos últimos anos em termos de pintura, sendo a exposição um bom parâmetro para medirmos a nossa própria arte ou pelo menos para que possamos manter um diálogo mais universal com os artistas de além-mar. A exposição Deuses e Madonas se organiza a partir de obras cuja temática se relaciona com o sagrado na arte. O acervo do MASP é utilizado a partir dessa problemática, de forma singular, nos permitindo um passeio pelo universo da arte preocupada com a temática do sagrado conforme artistas de várias épocas. Numa leitura contemporânea, onde o caráter utilitário que gerou essa opção pelo sagrado se perde, dando relevo àquilo que Kant chamou de "experiência desinteressada" do estético, podemos contemplar, antes de tudo, a alta qualidade do acervo exibido. Artistas como Di Cosimo, Botticelli, Delacroix, Tintoretto, Rafael, El Greco, entre tantos outros, nos levam a este universo da busca do inefável, através da obra de artistas que vão do Renascimento até os modernistas. Se o sagrado perde seu poder neste deslocamento temporal, a arte, ao contrário, assume essa perspectiva de uma possibilidade de experiência silenciosa, meditativa, indizível, que o espírito racional jamais poderá explicar, mas que nos toma numa posse amorosa, numa felicidade e grandiosidade de sentimentos jamais experimentados em outros lugares. A exposição nos mostra, mais que tudo, o quanto o poder da arte do passado pode interferir na sensibilidade do homem contemporâneo, nos ensinando que a arte escapa ao tempo, à história e aos temas, nos inscrevendo numa sensibilidade atemporal. Estas exposições por si bastariam para ter nos nutrido da boa e grande arte durante o ano, mas houve outras, várias, também importantes, necessárias às nossas inquietações, ao nosso desejo de fruição artística, e esperamos que o novo ano seja tão rico e inquietante quanto este em termos de artes plásticas e provocações. O Digestivo estará aqui para comentar. Jardel Dias Cavalcanti |
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