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Terça-feira, 28/12/2010 Meu cinema em 2010 ― 1/2 Wellington Machado Assim como se especula o fim dos livros, com os lançamentos de inúmeras plataformas eletrônicas de leitura, há vários profetas prevendo o fim das salas de cinema. Sair de casa para assistir a um filme é um programa cada vez mais raro. Vários fatores conspiram a favor da desistência: trânsito carregado (mesmo em fins de semana), (falta de) segurança, estacionamento, filas etc. Muito mais atrativo é o conforto de casa, escornados em poltronas que mais estimulam o sono, com um equipamento high tech que nos faz abaixar quando um helicóptero atravessa a tela de TV de "led-slim-sei-lá-o-quê". Não é por não ter toda essa parafernália cinematográfica em casa que não abro mão ir ao cinema. É que sair de casa para ver um filme na telona, sala escura, sem campainha, telefone, internet, e logo depois comer uma massa, é para mim um programa em si. Considero-me, com o perdão da expressão tosca, um "bígamo cultural". Literatura e cinema travam uma acirrada disputa em busca do meu tempo livre. Administrar internamente, de forma democrática, as duas paixões é complicado. Já tentei dedicar menos tempo aos filmes, abrindo mais espaço para os livros. Mas o cinema chegou antes para mim, quando era criança: é uma paixão antiga. Procuro, dentro da minha ansiedade em ler e ver tudo, intercalar livros e filmes. Com o consentimento da literatura, vou me ater aqui ao cinema. Paciência e dedicação. A cada filme visto, uma fichinha de cartolina pautada (contendo o ano, país, diretor e sinopse) se junta às mais de quinhentas que coleciono sistematicamente desde 2005. Este pequeno arquivo, ordenado alfabeticamente por título, me auxilia nas pesquisas rápidas e na hora de saber se já assisti ou não a determinado filme. Paralelamente ao arquivo de fichas, adotei a prática de anotar os filmes vistos em um caderno médio de capa azul ― que já anda meio surrado. Um filme por linha, com a tradicional classificação cinco estrelas (ruim, razoável, bom, muito bom e ótimo). Na soma do presente ano, computando os filmes vistos no cinema e alugados em locadoras, lá se vão mais de 130 títulos ― dentro da minha média (em 2005, 120; em 2006, 135; 2007, 116; 2008, 105; 2009, 127). Já tentei informatizar isso tudo, mas notei que a absorção é maior quando anoto no papel. Belo Horizonte já foi considerada a capital dos cinéfilos nos anos 80 e 90. Mas a cidade está decadente em decorrência do fechamento de várias salas alternativas, que exibiam filmes off-Hollywood. Em proporção inversa, as salas de cinema em shoppings se multiplicaram. E temos de admitir que são estilos de filmes bem distintos, se analisarmos a programação dos dois espaços. Sendo assim, vários filmes lançados no Brasil não passaram pela capital mineira. Ao percorrer a lista de filmes que aqui chegaram em 2010, separei alguns que mais me chamaram a atenção. Muitos deles chegaram às locadoras sem serem exibidos no cinema. São eles: Aconteceu em Woodstock (Ang Lee, EUA, 2009) ― Um retrato de como se deu a arquitetura da realização do histórico festival em 1969. Um filme competente do diretor Ang Lee (O tigre e o dragão; O segredo de Brokeback Mountain; Razão e sensibilidade), que faz uma ótima reconstituição de época, fazendo o espectador entrar no clima do festival, sem mostrar uma banda sequer (apenas o som ao fundo). Destaque para uma cena "lisérgica" dentro de uma Kombi, só comparável a uma outra do mesmo estilo, feita em Sem Destino (1969), de Dennis Hopper. O homem que engarrafava nuvens (Lírio Ferreira, Brasil, 2009) ― Um dos melhores documentários do ano. Para quem pensa que baião é coisa "só" de Luiz Gonzaga, não pode perder este filme. Tão importante quanto o "Gonzagão", o compositor Humberto Teixeira, figura um tanto ofuscada pelo sanfoneiro, tem seu merecido reconhecimento neste documentário. O filme é também uma verdadeira história do baião e uma genealogia da música brasileira, quase toda derivada do ritmo. Lírio Ferreira, diretor de Baile perfumado (1997), Árido movie (2006) e Cartola (2006), fez uma intensa pesquisa em jornais e levantou um raro acervo de imagens de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Com uma montagem ágil, mesclando recortes de jornais, depoimentos de cantores contemporâneos e imagens de arquivo, o filme não é nem um pouco cansativo, apesar de didático. O homem que engarrafava nuvens mostra como o baião incrivelmente, nos anos 50, ganhou o mundo (há um depoimento de David Byrne sobre o ritmo) e influenciou a Bossa Nova. Certamente este documentário integrará a minha lista de melhores documentários brasileiros, juntando-se a Edifício Master, O fim e o princípio e Jogo de Cena (de Eduardo Coutinho), Garapa (José Padilha), Santiago (João Moreira Salles), A alma do osso (Cao Guimarães) e Estamira (Marcos prado). Onde vivem os monstros (Spike Jonze, EUA, 2009) ― Adaptação do livro de Maurice Sendak lançado em 1963 (que já vendeu mais de 19 milhões de exemplares até hoje). O filme é interessante tanto para crianças como para adultos. A sensacional história de um garoto que foge da cidade para entrar em um mundo fantástico, onde se torna rei diante de animais selvagens, é uma obra-prima do diretor Spike Jonze (Quero ser John Malkovich e Adaptação). O grande mérito do filme é, ao contrário dos 99% dos filmes infanto-juvenis lançados, mostrar que a tristeza é uma realidade, até nos filmes de fantasia. O tom sombrio e lúgubre prende o espectador e o desfecho da história deixa as crianças um tanto decepcionadas ― o que é bom. Guerra ao terror (Kathryn Bigelow, EUA, 2008) ― O filme chegou com atraso, mas faturou o Oscar em 2010. Assim como o Tropa de elite, mostra a guerra (do Iraque) sob o enfoque da tensão de um grupo de soldados especializado em desativar bombas deixadas pelos nativos resistentes à ocupação americana. Entende-se, diante da complexidade das situações postas ao exército nessa guerra insana, os motivos pelos quais os Estados Unidos têm dificuldades em deixar o país. Sem heroísmos e cenas sensacionalistas, Guerra ao terror é um filme enxuto que nos faz refletir o drama das famílias de americanos que têm seus filhos lutando no Iraque. O segredo dos seus olhos (Juan José Campanella, Argentina, 2009) ― Sem sombra de dúvidas, o melhor filme de ficção do ano. É um policial (muita gente ignora isto) equilibrado, que mescla drama pessoal, investigação e paixão, com pitadas de humor. O filme aborda a história de um agente do judiciário que se propõe a escrever um livro ao se aposentar. Ele acaba rememorando um crime ocorrido em 1974, do qual participou da investigação. O segredo dos seus olhos representa o ápice do cinema argentino atual. Prova que os nossos vizinhos estão bem superiores ao Brasil no quesito cinema. Campanella e Daniel Burman (sobre quem falarei no próximo texto) são os melhores diretores argentinos em atividade. E o país tem também um dos melhores atores do mundo: Ricardo Darín. Os argentinos têm produzido filmes densos, abordando conflitos familiares, dramas pessoais e psicológicos, sem abrir mão de entreter. Enquanto o cinema argentino emplaca sucessos a cada ano, nós, brasileiros, continuamos achando graça do Tony Ramos depilando as costas... No meu próximo texto, abordarei os outros cinco títulos. Também falarei sobre os filmes que não consegui ver, mas que certamente teriam boas chances de entrar na lista dos melhores de 2010. E, como estamos "fechando uma década" do novo século, elencarei os meus melhores filmes brasileiros nos anos 2000. Nota do Editor Wellington Machado de Carvalho mantém o blog Esquinas Lúdicas. Wellington Machado |
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