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Sexta-feira, 14/1/2011
A internet não é isso tudo
Marta Barcellos

Quem é o seu hacker preferido: Mark Zuckerberg ou Julian Assange? A disputa pelo título de personalidade do ano nos convida a refletir sobre o tempo em que vivemos. O fundador do Facebook surgiu como símbolo da nova era da comunicação, e o criador do Wikileaks, da democratização da informação. O primeiro é o destaque de 2010 segundo a Times; o segundo foi o escolhido pelo Le Monde. Estamos, provavelmente, no auge do nosso deslumbramento com a "ideologia técnica", como o sociólogo francês Dominique Wolton chama a panaceia em torno das transformações provocadas pela internet ― que cegaria as pessoas para aspectos não tão revolucionários assim da rede.

Antes que você, que só clicou aqui por discordar do título, cubra-se de indignação, tente não vestir a carapuça contida na declaração de Wolton ao jornal Valor Econômico, em entrevista a Diego Viana: "Nunca é dito nada de negativo sobre a internet. Quando alguém ousa lançar uma ressalva, é logo tachado de reacionário, antiquado e assim por diante". Você não vai agir assim, vai? Então sigamos o raciocínio do sociólogo.

Wolton diz que é uma grande ilusão considerar a internet como portadora de toda a liberdade, criatividade e proximidade para todos. Segundo ele, nesta convicção equivocada e ingênua reside inclusive um perigo. Enquanto a televisão e o rádio sempre foram encarados como instrumentos nas mãos de grupos poderosos, ninguém é capaz de enxergar por trás da internet a atuação dessas mesmas entidades, sejam elas corporações internacionais ou Estados.

Diretor do laboratório de Informação do Instituto de Ciências da Comunicação francês, Wolton parte do pressuposto de que comunicação é diferente de informação. Ao contrário da informação, a comunicação envolve relações entre pessoas, e por isso tem implicações políticas, sociais e culturais. Mas preste atenção: ter mil amigos no Facebook não conta como "relação entre pessoas". As redes sociais podem inclusive estar criando uma ilusão de contato que na verdade fecha cada um sobre si mesmo.

"A potência técnica traz mais dados, mais acessos, mais contatos. Mas os dados não são conhecimentos, os acessos não são entradas e os contatos não são comunicação", afirma Wolton.

Em seu livro Informar não é comunicar (Sulina, 2010, 96 págs.), além de atacar os excessos dos discursos que fazem da internet uma revolução total, ele mostra que comunicação é mais importante do que informação para o vínculo e a identidade. Por outro lado, a circulação descontrolada de informações acabaria enfraquecendo a possibilidade real que as pessoas têm de agir. "Mesmo se a informação dá a volta ao mundo, é em menos de 100 quilômetros que a realidade muda", escreveu o sociólogo em um artigo.

O ataque de Wolton à internet é cheio de excessos, talvez para compensar a idolatria também excessiva em torno dela. Ou, quem sabe, apenas por ser ele um intelectual à moda antiga, como ainda existe na França, daqueles que não fogem das polêmicas da atualidade. De qualquer forma, o seu pensamento me flagrou justamente em um momento de desânimo em relação à internet, e de alguma descrença em relação às transformações reais que ela pode estar promovendo.

A primeira destas decepções diz respeito à dificuldade de a internet mobilizar efetivamente ― fisicamente mesmo ― as pessoas. Fora poucas exceções, sempre muito divulgadas (pela própria internet), as tentativas de mobilização para causas sérias quase sempre fracassam. O terreno parece mais propício para a proliferação de boatos, falsas acusações, fofocas tolas, fichas sujas, bullying, invasão de privacidade etc. Quem já está acostumado a lidar com esse ambiente hostil consegue separar o joio e aproveitar o trigo, mas uma grande maioria silenciosa (que não propaga seus sentimentos na internet) acumula traumas neste aprendizado.

A comunicação que possibilita uma ação local, de acordo com Wolton, depende das relações entre gente que se conhece de verdade, e tem uma base comum de cultura histórica, linguística e social. Uma realidade distante da maioria das redes sociais, que hoje se debatem com as questões da privacidade e da deturpação do conceito de "amigo".

Mas se a comunicação na internet não acontece de forma tão revolucionária como aparenta, o que dizer da fabulosa disseminação da informação? Qualquer jornalista que atuou antes e depois da internet sabe a extraordinária diferença de ter, a um clique, os tais dados e acessos citados por Wolton. Politicamente, nada pode ter sido mais relevante.

No entanto, como lembra o sociólogo, dados não são conhecimento ― e o excesso deles pode dificultar ainda mais a transformação de um conceito em outro. É aí que entra a mediação. Ela tem sido fundamental para se traduzir a enxurrada de informações, por exemplo, contida no site Wikileaks. Mas quem seleciona, edita e interpreta os dados sempre é movido por algum tipo de interesse. Não menos desinteressados são aqueles que vazam os dados para o site.

É nesta hora que descobrimos o óbvio: a internet continua sendo "apenas" uma ferramenta. Tão fascinante que nos fixamos nela, e nas simbólicas figuras de Zuckerberg ou Assange, enquanto esquecemos as personalidades que, neste instante, a utilizam para transformar o mundo.

Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blog Espuminha.

Para ir além





Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 14/1/2011

 

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