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Segunda-feira, 23/5/2011 Mp3: da pirataria ao Bolsa-Download? Paulo de Resende Desde os já longínquos anos 1990 que o formato Mp3 entrou com força total no universo da música. Sua ascensão se deveu à convergência dele com outros dois marcos relevantes da história da informática: a disponibilização do acesso à internet de forma definitiva (aqui no Brasil, isso se deu a partir de maio de 1995) e o surgimento do Napster, software pioneiro de compartilhamento peer-to-peer (em junho de 1999). A revolução provocada pela conjugação desses fatores só é comparável ao problema que ela criou para a indústria fonográfica mundial, com o surgimento da "era do conteúdo". Repentinamente, tornou-se anacrônico o hábito de adquirir o CD para escutar as músicas nele contidas. Num piscar de olhos, milhares de obras musicais dos mais diferentes gêneros passaram a fluir de um lado para o outro do planeta, sendo transferidas gratuitamente para quem quisesse. Até hoje, não há prevenção eficiente contra a transferência de arquivos. Pior do que isso, a questão hoje abrange qualquer forma de conteúdo: livros, filmes, softwares, tudo o que pude ser captado e traduzido em bites pode ser compartilhado. À margem das discussões sobre violação dos direitos autorais e dos prejuízos apurados por quem trabalha na legalidade, parece que o hábito de compartilhar arquivos (de forma legalizada ou não) se tornou algo tão trivial quanto ter um telefone celular ou tomar uma cerveja no bar: dito assim, parece tão mundano, tão vulgar, mas nem por isso menos verdadeiro. No Brasil, a questão apresenta uma riqueza de perspectivas, daquelas que são incompatíveis com a representação por meio de infográficos e pequenos quadros-resumo. Opinam sobre o tema políticos, advogados, delegados de polícia, ativistas sociais, empresários da indústria fonográfica, artistas e tantos outros representantes de grupos envolvidos. E a cadeia do consumo de conteúdo tem diversas versões, desde aquela do "paladino" ― que faz download somente de conteúdo disponibilizado em domínio público e em licenças como o copyleft e creative commons ― até a cadeia do material que se origina de usuários misteriosos, é baixado por "pirateiros" inveterados, queimado em mídias que são oferecidas nas ruas de qualquer grande cidade e acabam nas mãos de gente comum, entre estudantes, professores universitários, comerciantes, bancários, donas de casa, funcionários públicos etc. Ações como as promovidas nos EUA pela Associação Americana da Indústria Fonográfica (RIAA) dificilmente seriam viáveis para um país como o nosso. Não convém elencar as razões, mas é pouco provável que as associações de músicos e de gravadoras promovam aqui a "caça às bruxas" que tem sido por lá empreendida, com direito a condenações de personagens tão pitorescos quanto senhorinhas septuagenárias e meninas de doze anos. Na nossa civilização dos trópicos, tudo é mais afetuoso, por vezes moroso, e muitas vezes inconclusivo. Não somos piores que os gringos, somos autênticos. A diversidade de personagens e a impossibilidade de processar a todos os que infringem a lei podem insinuar uma conclusão devastadora: não há solução para a questão. Ou mudam as leis, em gradações que tipifiquem a atividade econômica baseada na pirataria como um crime hediondo, ou aguardamos um novo patamar tecnológico, tão revolucionário que torne o Mp3 obsoleto ― obviamente, uma nova tecnologia com rédeas mais firmes. Mas existe ainda uma outra alternativa, muito mais próxima dos anseios daqueles que defendem uma internet livre e a universalização do acesso à cultura, algo muito mais harmonioso com a nossa tradição de malemolência histórica: e se o problema fosse atenuado até sumir? Vivemos um período de implementação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com todas as suas iniciativas de desoneração dos custos relacionados ao acesso à internet e consequente barateamento para o usuário. Um olhar superficial sobre a questão conclui que, com mais acesso em banda larga, haverá mais compartilhamento. Parece uma relação óbvia. E aí convém perguntar: como o governo vai conciliar o crescimento dos downloads com a necessidade de coibir os crimes contra a propriedade intelectual? É aí que entra em campo a nossa vertente nacional, capaz de buscar soluções inovadoras para os problemas mais escabrosos: será que estamos caminhando para um "bolsa-download"? Afinal de contas, o governo tem fornecido diversas oportunidades para a inclusão de segmentos específicos no mundo do consumo: temos o Bolsa-Família para os pobres, o telefone social, a tarifa de energia elétrica social e agora o já citado PNBL ― que vai baratear o acesso aos menos favorecidos e empresas optantes pelo Simples... Por que não admitir a possibilidade (risco?) da criação desse novo benefício social, para permitir que aqueles que hoje vivem abaixo da linha da legalidade digital possam receber o direito à inclusão cultural? Estaria, assim, o usuário liberado para baixar o quanto quisesse, sendo os respectivos royalties quitados pelo governo. Para quem acha que esse quadro é absurdo, vamos registrar que esse bolsa-download, mesmo imaginário, já apresenta duas características em comum, por exemplo, com o Bolsa-Família: um benefício direto para a população e a "disponibilidade" da nossa classe média, franca favorita para pagar a conta... Paulo de Resende |
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