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Terça-feira, 22/2/2011 Por que as curitibanas não usam saia? Adriana Baggio Andando na rua neste verão curitibano, o marido observa: as mulheres desta cidade não usam saia. Ele não é daqui, sempre morou em lugares quentes, de comportamento mais expansivo. Apesar de seus sete anos de Curitiba, ainda lhe escapam algumas nuances do jeitinho curitibano de ser (ou, quando querem dizer que somos uns esnobes metidos à besta, "jeitinho curitiboca de ser"). Tento encontrar uma explicação para a questão das saias: Curitiba é uma cidade de clima esquizofrênico. Já virou lugar-comum dizer que aqui as quatro estações acontecem no mesmo dia. E é verdade, pode acreditar. Sabe essa tendência de sobreposição, de cardigãs e casaquinhos? Aqui sempre foi moda. Nunca dá para vestir uma peça única. Você usa várias, das mais frescas às mais quentes, para ir tirando ou colocando conforme o humor do clima. Com a parte de cima essa flexibilidade funciona bem. E com a parte de baixo? Esse é um dos motivos pelos quais evitamos saias (eu acho). Imagine uma moça que mora em um bairro distante, trabalha no centro durante o dia, estuda à noite e usa transporte coletivo. Ela sai de casa bem cedo, quando ainda está friozinho, e volta com a mesma temperatura. Por mais que no almoço passe um calorão, se colocar saia vai passar frio nos extremos do dia. E se chover, vai ficar com a perna melada por causa das pedras soltas da calçada. Não fiz uma pesquisa séria sobre isso, mas acredito que é mais fácil encontrar curitibanas de saia entre as de maior poder aquisitivo. Mulheres que podem ir trabalhar de carro, que não andam pelas ruas no meio do dia, sujeitas às intempéries. Ou aquelas que saem de casa quando o tempo já se decidiu e voltam antes que ele mude de ideia, o que até permite um figurino fixo. A culpa não é só do clima Talvez essas explicações sejam frágeis. Independente do poder aquisitivo, o fato é que a mulher curitibana é reservada, conservadora, pudica (ou metida, como querem alguns). Mostrar as pernas é um sinal de personalidade, ousadia. Quando uma mulher vai trabalhar de saia, é um acontecimento. As colegas vão dizer que ela está linda vestida assim de mulherzinha. Os homens vão ficar babando, mesmo que a peça só mostre o tornozelo. Ela vai ter que estar pronta para ser o centro das atenções e dos comentários, o que muitas curitibanas não gostam. Vejam que o problema com a saia não é o comprimento (apesar de os modelos longos fazerem o maior sucesso por aqui). A saia, em si, é uma roupa emblemática. Ela é fácil de ser tirada, diferente da calça. Usar saia exige maior atenção na hora de andar, de sentar, de se abaixar, de andar de ônibus. A mulher de saia, de alguma forma, está mais tolhida em seus movimentos. Uma saia, em resumo, torna o corpo mais acessível. E é aí que reside o problema de interpretação: um corpo mais acessível não é um corpo que quer ser acessado, apesar de muita gente não saber a diferença. Por conta de toda essa carga de significados, as saias são símbolo do movimento Toutes en Jupes, que incentiva o uso desta peça no 25 de novembro, dia internacional de luta contra as violências feitas às mulheres. Na essência do movimento, a mensagem é que uma mulher tem o direito de usar saia, do comprimento que desejar, sem se sentir vulnerável, sem ser vista como prostituta e sem que as pessoas acreditem que ela "está pedindo". Evidentemente, na maior parte das vezes usamos saias não por motivos políticos ou ideológicos. Usamos porque é feminino, porque é bonito, para mostrar nossas pernas tão raramente bronzeadas, porque é mais confortável, porque é muito mais indulgente do que as calças com os diversos tipos de silhuetas. Porém, as mulheres curitibanas talvez se beneficiem menos da versatilidade das saias por conta de um conservadorismo social arraigado, que pode até não ser mais realidade, mas que ainda pauta nosso comportamento. Revista Nova apresenta: a mulher curitibana na década de 1980 Certo dia, durante uma aula no curso de Comunicação, alunas minhas (nenhuma delas de saia) apareceram com um exemplar da revista Nova de 1982 (ainda nem tinham nascido...). Surpreendentemente, encontro uma reportagem preciosa: "A mulher em Curitiba: a cidade é conservadora, elas não" (veja aqui em PDF), assinada pela jornalista Télia Negrão, que hoje (descubro pelo Google) é secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde. Télia começa apresentando à leitora o cenário de uma Curitiba cheia de contrastes: moderna, já com um milhão de habitantes, modelo de urbanismo e transporte coletivo, atraindo migrantes de todo país, mas ainda conservadora e opressora em relação às mulheres, talvez por conta da forte influência cultural dos imigrantes europeus que ajudaram a formá-la na segunda metade do século XIX. A jornalista, com conhecimento de causa (morou no Paraná até 1991, depois foi para Porto Alegre), revela: "o comportamento do curitibano, geralmente fechado, retraído, de poucos e íntimos amigos, também é encontrado nas mulheres". Seria culpa do frio, da imigração polonesa e alemã, de algum determinismo histórico, geográfico ou cultural? Não importa. Seja qual for o status quo deste início da década de 1980, as curitibanas parecem estar tentando mudá-lo. Uma luta! Vejo que há 30 anos, a Boca Maldita onde hoje circulo livremente e tomo cafezinho (de saia ou de calça) era um reduto exclusivamente masculino, cuja confraria (formada por ilustres figuras casadas da cidade) promovia desfile de prostitutas no carnaval. Neste contexto, Télia apresenta diversas personagens: uma adolescente de 15 anos que abandona os estudos e vai trabalhar para ganhar seu dinheiro e ter mais voz dentro de casa; a psicóloga que procurou várias imobiliárias mas nenhuma queria alugar apartamento porque iam morar nele três mulheres sozinhas; a jornalista de um programa de televisão feminino que recebe denúncias de mulheres espancadas pelos maridos; uma secretária de 24 anos que decide morar com o namorado e, por isso, é hostilizada pelas vizinhas. A matéria traz ainda o depoimento de figuras públicas, como a administradora de empresas Fani Lerner, então primeira-dama do município, falecida em 2009, e da diretora-executiva da Fundação Cultural de Curitiba na época, Lúcia Camargo, cuja fala encerra a reportagem: "Mas quando lhe perguntam 'como chegar lá' [já que ocupa um cargo importante], ela responde: 'Estou aqui porque não encontraram nenhum homem'". Voltando às saias Difícil encontrar um retrato tão vívido sobre as mulheres curitibanas de três décadas atrás, quando eu ainda estava na escola (e não usava saia nos dias de calor, preferia shorts). Evidente que a situação mudou, pelo menos em alguns aspectos. O que me parece é que o conservadorismo social citado por Télia no início da reportagem ainda tem seus ecos nos dias de hoje. Não são regras, não é nada muito específico. Mesmo que a população curitibana já esteja bastante miscigenada, é um jeito de ser e de se comportar que ainda permeia o modo de vida em nossa cidade. O folclore diz que curitibano, por exemplo, não conversa com estranhos e não dá bom dia no elevador. O que muitos interpretam como antipatia ou frieza é, na verdade, um profundo respeito pelo outro, pela sua privacidade. É um receio de incomodar, de ser inconveniente, uma preocupação que vem lá dos nossos antepassados europeus, camponeses pés-rapados fechados em suas colônias, com medo desta terra desconhecida. Claro que não faz mais sentido, não tem mais razão nos dias de hoje. Mesmo assim, o hábito está arraigado, permanece. O mesmo acontece com as mulheres. Não há mais motivo para tanto conservadorismo e pudicícia. Mas aprendemos assim, e acho que assim permaneceremos por um bom tempo: sem usar saias, andando sérias pelas ruas, com pouco senso de humor, fazendo com que pensem que somos frias, antipáticas e curitibocas. Se observar com atenção, vai ver que isso, no fundo, é apenas simples timidez. Nota da autora Quer saber como fazer amigos ou arranjar namorado ou namorada em Curitiba? Leia com atenção este manual. Adriana Baggio |
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