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Sexta-feira, 10/6/2011
De volta à cultura audiovisual
Marta Barcellos

"Recebi um monte de torpedos e mensagens de parabéns no Facebook", me conta uma amiga. "Odiei." Sua revolta, no dia seguinte ao aniversário, tinha um motivo: gente que antes telefonava, e conversava, agora digita duas palavras e pronto. Eu argumento que outras tantas, que não lembrariam nem ligariam, acabam fazendo contato, quem sabe marcando um encontro. Particularmente, sempre achei celular tocando algo meio invasivo - prefiro mensagens de texto. Mas ela não se convenceu. Está no time dos que acreditam que a era digital afastou - e não aproximou - as pessoas.

É uma discussão sem fim. Os relacionamentos sofrem o impacto das mudanças tecnológicas, e como a coisa modifica-se a cada dia, a etiqueta e as nuances das novas formas de comunicação entre as pessoas, também. Há quem surfe nas ondas sem nem perceber que elas já mudaram, de tão excitados e adaptados. Sabem intuitivamente qual mídia é adequada a qual situação social ou profissional. No extremo oposto, estão aqueles que correm atrás do prejuízo, se intimidam com as novidades e esperam para "ver se pega", antes de se dar ao trabalho de aprender como funciona.

Tento chegar a uma conclusão (a conexão melhorou ou complicou as relações?) e entro no Facebook para dar uma espiada. Sinto-me lendo a Caras. Ou melhor, vendo, porque assim como a revista o Facebook é cada vez mais visual. Gente bonita e alegre, bebês e cachorrinhos, pratos de comida apetitosa, grupos abraçados sorrindo. Gente sozinha só com paisagem ao fundo, molduras de viagens. Pipocam por ali também alguns "posts" que em outros tempos estariam em blogs. Ninguém compartilha tristezas, expõe uma angústia ou fraqueza, nem reclama da vida - só dos políticos no noticiário ou do avião que atrasou. Engraçado como não há lamentos sobre o ônibus lotado.

Nos sites e nas redes sociais, escreve-se cada vez menos. Minha sensação, do estouro dos blogs pra cá, é que as imagens estão substituindo os textos, agora que vídeos e fotos ficaram tão fáceis de fazer e compartilhar. Os poucos textos deixaram de ser burilados: agora têm função de legenda ou de transcrição do que seria falado - como o torpedo que substitui o telefonema de parabéns. A internet está cada vez mais audiovisual.

Uma das explicações para o pouco hábito da leitura no Brasil é o de que pulamos o estágio da cultura letrada, passando diretamente da cultura oral para a eletrônica e visual, em função da nossa origem colonial e do descaso histórico com a educação. Sim, Portugal tem tudo a ver com isso, como mostrou uma reportagem recente do Wall Street Journal (intitulada "Educação ruim perpetua atraso português") que apontava o país como o menos escolarizado da Europa Ocidental - condição que só veio à tona por ter se tornado uma dolorosa vulnerabilidade em meio à crescente crise econômica no continente.

A reportagem mostrava números que me surpreenderam: apenas 28% da população portuguesa entre 25 e 64 anos têm curso médio completo. Na Alemanha, são 85%; na República Tcheca, 91%; nos Estados Unidos, 89%. O problema, para nós, é que o atraso português com o ensino parece ter se perpetuado também do outro lado do Atlântico. Por aqui, alguns dados recentes são aterradores: somente 26% dos brasileiros alfabetizados conseguem ler e entender um texto longo, segundo o Diagnóstico do Setor Livreiro no Brasil. Outra pesquisa, encomendada pelo Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), atestou que 15% dos universitários nunca leram um livro.

Nosso terrível legado histórico poderia estar com os anos contados, sem depender tanto dos avanços políticos e econômicos, graças à internet. A promessa da chamada inclusão digital era a de promover um pequeno grande milagre cultural e educacional. De fato, os primeiros tempos dessa cultura digital deram a impressão de abrir um novo espaço para a escrita. A internet começou letrada, digitada, lida. Nunca se leu ou escreveu tanto, constataram os pesquisadores para calar os nostálgicos das cartas e dos manuscritos. O conhecimento estaria ao alcance de todos - os que soubessem ler, e os que seriam estimulados a desenvolver sua capacidade de analisar e interpretar para acessar esse conhecimento e as oportunidades dele originadas.

No entanto, a internet evoluiu, tecnologicamente falando. Se o conteúdo antes escrito for todo substituído pelas formas audiovisuais, babau. Em termos de Brasil, poderemos voltar àquele estágio de país grato pelas telenovelas que bem ou mal educavam um pouco a população iletrada (ou aquela que não sabe interpretar um texto longo). Pensaremos que a cultura pop difundida pelo Youtube é melhor do que nada. Ou seja, podemos perder a chance de educar por meio do texto e da complexidade própria das narrativas escritas e da cultura letrada.

Posso estar sendo pessimista ou nostálgica, como os que preferiam as cartas aos e-mails. É possível que essa nova cultura audiovisual - frenética e interativa, com efeitos diferentes do entorpecimento gerado pela televisão - tenha lá as suas vantagens em relação à cultura letrada. De qualquer forma, na comparação com outros países, seremos como Portugal em relação aos seus vizinhos europeus. Teremos pulado uma etapa que lá na frente pode se revelar muito, muito importante. Em Portugal, a força de trabalho está despreparada para gerar o crescimento econômico necessário ao enfrentamento da crise simplesmente porque toda uma geração de jovens não acha necessário estudar para conseguir emprego.

Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blog Espuminha

Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 10/6/2011

 

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