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Terça-feira, 18/12/2001 Um bom começo Rennata Airoldi O teatro é uma arte inacessível ao grande público? Seria uma arte elitista? Pode-se dizer que, de certa forma, alguns espetáculos estão bem fora da possibilidade financeira da maioria da população. É só comparar o valor de um salário mínimo a um ingresso de cinqüenta reais ou, às vezes, muito mais que isso. Fica difícil imaginar que uma família de cinco pessoas possa ir ao teatro duas vezes por mês. Pior, fica impossível atingir um grande público e exigir a sua presença nos espetáculos. Pensando nisso, sempre me perguntei porque não termos, na cidade de São Paulo, companhias estáveis de Teatro, mantidas e subsidiadas pela Secretaria de Cultura com auxílio de outros órgãos que se propusessem a investir em cultura. Assim, os grupos poderiam desenvolver sua pesquisa, os profissionais teriam um salário fixo (coisa rara na profissão) e, ao mesmo tempo, a população teria um acesso à cultura de melhor qualidade, gratuitamente. Este ano porém, fomos surpreendidos pelo que chamo de "um bom começo". Com um raciocínio e a preocupação próximos ao que eu e muitos profissionais tínhamos em mente, a Secretaria Municipal da Cultura, junto à Cooperativa Paulista de Teatro, criaram o projeto “Formação de Público”. O Projeto visa levar o cidadão de encontro a arte, tornando-a acessível a todos. O curador desta iniciativa é o glorioso Gianni Ratto. Homem de arte que já trabalhou em vários meios: arquitetura, cinema, dança, artes plásticas e teatro. Foram escolhidos quatro textos de autores brasileiros, quatro diretores e selecionados quatro elencos. Com tudo isso, têm-se mais de oitenta profissionais empregados no mercado! São atores, técnicos e diretores. Nesta primeira fase do projeto, os espetáculos eram os seguintes: “Caiu o Ministério”, de França Júnior, com direção de Ariela Goldman; “Geração Trianon”, de Anamaria Nunes, com direção de Marco Antônio Brás; “Pedro Mico”, de Antônio Callado, com direção de Débora Dubois; e “Nossa vida em família”, de Oduvaldo Viana Filho (o Vianinha), com direção de William Pereira. As peças ficaram em cartaz no Teatro João Caetano até o dia 16 de dezembro. Com entrada franca: sábados e domingos para a comunidade em geral; e, durante a semana, para estudantes da rede pública. Assim, muitas pessoas, que nunca estiveram num teatro, puderam viver uma nova experiência. O mais importante de tudo isso, é mostrar que o teatro é para todos! Não precisa pertencer a determinada classe social para freqüentar um teatro. Com este projeto, muitas pessoas perderam o medo de estar nessa “casa” onde todos são bem vindos independente de cor, raça ou origem. Para os profissionais é, sem dúvida, uma satisfação apresentar espetáculos de qualidade sem qualquer restrição de público. Não há uma preocupação com a bilheteria, por exemplo, pois não é dela que vem o “ganha pão”. Há, sim, a grande preocupação de ensinar e compartilhar toda a experiência cênica com cada um que se sente em uma das cadeiras do teatro. É uma grande oportunidade de falar para todos. Claro que ainda há falhas no projeto. Ao término de uma das sessões em que estive presente, houve uma pequena conversa com os atores. Um dos espectadores perguntou: “Se o projeto se chama 'Formação de Público', onde está o público?”. É, infelizmente, havia menos de meia casa na ocasião. Talvez não se tenha divulgado o projeto à altura do que ele poderia e deveria proporcionar. Entretanto, aos poucos, gota a gota, as sementes hão de ser regadas e crescerão. É a partir de iniciativas como essa que poderemos ter cidadãos mais bem informados e culturalmente mais desenvolvidos no futuro. O que não se pode é abandonar o barco logo nas primeiras dificuldades. O público precisa criar um vínculo com o projeto para que ele cresça. E para isso é ecessário persistência. Afinal, é o famoso “boca-a-boca” que faz a melhor propaganda. Espero, sim, que esse projeto continue por muito tempo, e que sirva de exemplo para que outros órgãos tenham a mesma iniciativa. Nós artistas queremos levar nossa arte a todos! Compartilhar idéias e experiências sem sermos obrigados a “elitizar” nossa arte em função do aluguel do teatro, da falta de patrocínio, dos salários a serem pagos, dos equipamentos a serem alugados, etc. Tomara que isso seja mesmo "um bom começo"! Rennata Airoldi |
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