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Quarta-feira, 13/7/2011 Senhora Victor Guilherme Pontes Coelho O Império do Sol, de Steven Spielberg, é um dos filmes a que mais assisti na vida. É uma película recheada de cenas afamadas. Eu poderia passar horas aqui digitando sobre cada sequência deste filme, ou sobre a direção virtuose de Spielberg, ou sobre o desempenho impressionante do garoto Christian Bale. Mas a cena d'O Império do Sol que sempre me vem à mente, de imediato, quando ouço ou leio sobre o filme, é aquela quando Jim Graham (Bale) vê a "alma" da recém defunta senhora Victor (Miranda Richardson) "subindo ao Paraíso". O aerófilo Jim, filho único, vive com os pais em Xangai, um casal importante na indústria têxtil, eminentes entre os ingleses ricos que recriaram sua própria Liverpool em solo chinês. Casas, ruas, igrejas, comércio, escolas: em 1941, tudo parecia ter sido transportado da Grã-Bretanha, como acontecia desde o século XIX. Um universo próprio, habitado por figurões de sotaques campanudos, servidos por chineses secretamente rancorosos. Então os japoneses tomam a cidade. Quem não pode fugir a tempo teve de se acostumar à hospitalidade dos invasores. Foi durante uma tentativa de fuga que Jim se perdeu dos pais e, depois de passar por alguns estrupícios perdido na rua, acabou hospedado num campo de concentração para ocidentais, quase todos ingleses e americanos. Neste acampamento, Jim deixa de ser o garoto aristocrático, de vocabulário pomposo e modos afetados, para ser um jogador, um safo sobrevivente. Mas mantém o coração generoso e os sonhos aeronáuticos. Estes, ininterruptamente alimentados pelos aviões pelos quais é apaixonado e com os quais não para de sonhar, porque os vê diariamente: ao lado do campo de concentração, funciona uma escola preparatória de kamikazes. É neste resort que Jim conhece a senhora Victor, acompanhada pelo marido, senhor Victor, que mais tarde a abandonará, o que tornará a relação entre ela e o garoto mais estreita, mesmo que por pouco tempo. Jim desenvolve por ela uma afeição ora cortês, ora edipiana, que ela retribui, como uma Jocasta distraída, insensibilizada pelo purgatório hostil onde vive. Então, em 1945, depois de um bem-sucedido ataque aéreo norte-americano às instalações japonesas (a escola kamikaze é destruída), os militares japoneses abandonam a base. Os ocidentais, estropiados e famintos, guiados pelos japoneses, migram para o norte. A primeira baixa é o senhor Victor. Que some, simplesmente. Ao entardecer, o êxodo chega ao Estádio Nantao, que funcionava como depósito de pilhagem. Carros, espelhos, estátuas, motocicletas, candelabros, pias, cristaleiras, bebidas, vasos, pianos, relógios, sofás, quadros, púlpitos, todos os bens, aparentemente, que os japoneses puderam subtrair. Jim é avisado por um dos migrantes ingleses de que é melhor continuar a caminhada, mas a senhora Victor, doente e mentalmente debilitada, pede a ele que fique, porque "aqui é melhor" - um estádio abandonado no meio nada e sem água ou comida. Jim cede e fica, e sugere à senhora Victor, a fim de enganar os soldados, que se finja de morta. Ambos se deitam no chão (anoiteceu) e dormem. Mas só Jim acorda pela manhã. Esta é a cena. Jim acorda e contempla a senhora Victor deitada na grama, morta. Jim parece desinteressado e ocioso. A senhora Victor morreu. Ela havia pedido que ele ficasse para acompanhá-la e ele, sabendo que não seria uma escolha sensata, ficou. Havia algo suficiente entre ambos para o pedido dela ter sido atendido. Ela havia despertado nele o desejo sexual, quando, numa noite quente no alojamento onde viviam, ele a observou dormindo (a pele branca e úmida de suor, os lábios entreabertos). Pouco depois desta noite ele deixou o alojamento para ir morar com os americanos, Basie (John Malkovich) e sua gangue. Mas ele acabou retornando ao "cômodo" que dividia com o casal Victor. Ela então o recebeu, como uma mãe receberia. Foi terna e atenciosa, puxou da mão dele a maleta, abriu-lhe espaço para cama e dispôs, com delicadeza, o avião miniatura sobre a cômoda. Jim tinha muito apreço por ela, para dizer o mínimo, já que em situações extremas, como sobreviver em um campo de concentração, o simplório termo "apreço" tem outras proporções. Ele gostava dela e, agora, ela estava ali, à sua frente, morta. Um baita problema para mente de um garoto que se dizia ateu. Como conciliar a memória de uma mulher que, mesmo de forma pouco explícita, fez as vezes de mãe e de amor platônico com a sensação de ver aquele corpo inerte e irrelevante? Jim tinha passou a ter outro entendimento da vida desde que chegou ao acampamento. Ele já não se lembrava do rosto dos pais e, para enriquecer a dieta com proteínas, comia os carunchos que vinham no arroz com batatas. Ele, sob a tutela de Basie, estava tratando a vida como uma grande gincana da seleção natural. Aprendeu artifícios e manhas para todas as situações e era um aluno nota dez na "universidade da vida" (palavras dele), sobretudo na disciplina sobrevivência (ênfase minha). Mas a morte da senhora Victor parecia não ter resposta. Não havia macete para compreender aquele fenômeno. Basie não teria a chave daquele enigma. Jim olhava a defunta. Só olhava. Fui um clarão que iluminou o corpo da senhora Victor e fez Jim despertar da indiferença. Um clarão, seguido por raios coloridos fugindo no céu, rajando-o em tons de violeta, rosa, azul, verde. Jim, maravilhado, viu a alma da senhora Victor subindo ao Paraíso. Sentiu-se feliz. Abandonou o corpo que foi da senhora Victor e seguiu sua jornada, sozinho. Uma única alma, egressa de um corpo esgotado, para o menino órfão, era capaz de cobrir o céu, à luz do dia, de mais luz, em cores vibrantes e bonitas. Era o quanto a alma da senhora Victor representava. Uma única alma. É impossível ir além disso. Impossível conceber de forma mais intensa e ingênua a grandeza de um espírito. É incomensurável. Mas veio a realidade enquadrar as coisas em sua singular escala de grandezas. Jim, continuando sua jornada, ao topar com o primeiro rádio que lhe apareceu, soube que quem coloriu o céu não foi a senhora Victor, mas a bomba atômica. Uma desilusão igualmente incomensurável. Não pela capacidade humana de destruir (essa é conhecida), mas pela trivialidade de uma única vida. Ele acreditou que uma só alma preenchesse o céu. Nota do autor Ao contrário de outros filmes baseados em livros, não tenho curiosidade em ler o livro homônimo de J.G Ballard. O trabalho de Spielberg é tão sagrado que mesmo ler o livro de Ballard, que é autobiográfico, seria conspurcar minha relação com o filme. Cedi a uma superstição boba e, perdão, Ballard, não o lerei. Para ir além Guilherme Pontes Coelho |
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