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Sexta-feira, 5/8/2011
Você vem sempre aqui?
Ana Elisa Ribeiro

Dado que hoje existem muitas, talvez dezenas de, maneiras de conhecer pessoas, eu me peguei dedicada a pensar nisso, mas, principalmente, em uma certa história de "longa duração" da maneira como conheci certas gentes nesta minha vida que já se aproxima aí das idades terminadas em "enta".

Como conheci você, leitor? Ainda não, não é mesmo? Mas muitos sei que sim, que conheci em congressos (como é o caso do Miguel, de São Paulo, ou do José, também de Sampa), portanto, presencialmente. Mas outros, não, outros conheci na rede, na web, conforme a moda de então ou o software que a suportasse.

No final da década de 1990, havia um jeito: os chats. Mas não eram estes chats fechadinhos, com pessoas pré-requisitadas. Eram chats abertos, num estilo que fazia lembrar um pouco os serviços de "disque amizade". Os chats do UOL talvez fossem os mais badalados. E mesmo cheios de gente e lotados de ações protocolares, não eram o que chamamos hoje de "redes sociais". Eram chats que promoviam papos entre pessoas (distantes geograficamente até) e, talvez, encontros presenciais. E foi assim que conheci o Pedro, dentista e músico, que travava papos engraçadíssimos comigo nos meus intervalos de aula, enquanto eu ainda fazia faculdade. Dessa amizade virtual nasceram outras, muitas, que se juntaram, mais tarde, em um blog (o Corvo) e resultaram em reuniões presenciais inesquecíveis no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte, pelo menos.

Na mesma época, conheci, não sei mais em que chat, o Beto, em quem ainda hoje descarrego doses cavalares de ansiedade e tristeza, nas horas ruins, e outras tantas doses de carinho, em momentos em que estou feliz. O Beto almoçou comigo muitas vezes, quando eu trabalhava na editora. E ainda hoje vigia meus voos no aeroporto de Confins.

A Marize, quase madrinha do meu ex-casamento, teve muita relação com a existência palpabilíssima do meu filho, realíssimo e incontido. Foi na gestão da amizade dela que conheci o JR, escritor fluminense que me fulminou com cantadas inescapáveis, à época. No entanto, não foi em chat que conheci o ex. Foi por e-mail.

Alguém imagina uma história dessas? Conhecer alguém por e-mail, namorar, engravidar, casar, separar (nessa ordem, mais ou menos)? JR é jornalista e à época participava de um coletivo desses meio locais que querem promover a literatura e, de quebra, dominar o mundo. Bom, dava certo. E eu era uma escritora meio iniciante, fêmea nesse mundo literário testosterônico, em 2002 ou 2003, autora de um blog razoavelmente conhecido (a Estante de Livros) e disposta a fazer turnês literárias pelo país.

Nos idos de 2002, havia encontros da Libre, Liga de editoras de pequeno porte que promovia (e ainda promove, graças a Deus) a Primavera do Livro. O charme era irresistível. O da Primavera, não exatamente o do JR. Mas o negócio foi que ele me entrevistou para uma revista eletrônica e essa entrevista gerou uma cascata de outros e-mails, que evoluíram para telefonemas e, numa Primavera, tornaram-se encontros presenciais. Isso deu em filho, casamento e tal e coisa. Essas mesmas possibilidades digitais ajudaram, e muito, a dar cabo desse casamento.

A web mexeu com as redes sociais que já estavam aí. A web aumentou as chances de os laços se formarem e se fortalecerem. Manter laços com amigos do colégio nunca foi tão fácil. E nunca foi tão difícil extinguir as pistas do que a gente está fazendo na vida. Isso sem falar no garimpo de encontrar pessoas do passado remoto dando sopa na internet hoje. Prós e contras, como em tudo.

Conheci Jaqueline na web, pelo Twitter, no ano passado ou antes um pouco. Pesquisadora, simpática, carioca sorridente, só fomos nos encontrar durante um congresso em Recife, em 2010. E quando nos vimos, foi só atualizar uma sensação de "eu te conheço". Em geral, o estranhamento vem por causa da foto. Jaque corresponde quase exatamente ao seu avatar, mas em muitos casos isso deve se transformar em uma completa reconfiguração. E os avatares são motivo de muito incômodo meu. Por que o avatar é quase sempre bonito, caprichado e mentiroso? Porque avatares são discurso, minha gente. São estampa, identidade e quimera.

O avatar é relativamente novo. Quando entrávamos em chats para conhecer pessoas não havia avatar, foto ou imagenzinha para nos promover. Se quiséssemos, era por e-mail que vinham as fotos dificultosamente escaneadas em casa (ou no trabalho). O avatar, hoje, é uma produção e meia.

Conheci a Ana quando tínhamos mais ou menos uns dois anos de idade. Eu de um lado do muro, ela, do outro. Fomos amigas e vida toda. Hoje ela mora em Portugal e eu, quase no mesmo bairro daquele muro chapiscado pelo qual nos comunicávamos. Mas como fico sabendo da Ana hoje? Pelo Twitter, por e-mail e pelo Facebook. Falo com ela com uma frequência que teria sido intransponível umas décadas atrás, principalmente porque avião era caro.

Conheço centenas de pessoas pelo Twitter. Todo dia alguém quer ser meu amigo. Talvez meu próximo namorado, meu próximo amigo ou amiga, meu próximo marido ou minha próxima desilusão esteja lá, atrás de alguma daquelas bolinhas verdes do Facebook ou de algum avatar malhado e seminu no quadradinho ao lado. Vai saber? O negócio é que as amizades não foram menos leais e os namorados não foram mais infiéis pescados na web do que presencialmente, naquele velho esquema "me apresenta seu amigo de camisa azul". Ah, sim, as chances de infidelidade talvez tenham aumentado muito. Nisso creio quase sem chance de contra-argumentação. Mas as chances de se desvendar sacanagens também cresceram. Todo mundo é um pouco hacker; e todo mundo é um pouco incompetente como criminoso. Agora, as chances de amizade, ah, essas acho que cresceram também, tanto das novas quanto da manutenção das antigas.

O que não dá mais (faz tempo) é para separar web e "realidade". Está tudo dominado, junto e misturado. Conheci o João porque comprei um livro dele, enviei uma carta pelos Correios, na qual eu dava meu e-mail, e ele me enviou um e-mail simpático. Júlio Daio Borges, editor desta perpétua casa, recebeu um jornal impresso pelos Correios no qual havia um perfil meu. Buscou, pesquisou e me achou na web, com blog e tudo. Daí partiu o convite para esta coluna que já dura 8 anos e me dá tanta alegria quanto meu filho (admito que a coluna me dá menos preocupação). Conheci melhor pessoas que estavam ao meu lado porque pude compartilhar ideias com elas por algum espaço virtual, como é o caso do Boave. E as pessoas que eu nunca encontrei, mas que participam da minha vida com mais intensidade do que meus vizinhos?

Conhecer pessoas continua difícil e melindroso. Gostar das pessoas continua improvável. Confiar nas pessoas se mantém uma tarefa hercúlea. A gente só não pode reclamar mais da falta de jeito.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 5/8/2011

 

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