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Quarta-feira, 10/8/2011
Entre o Curtir e o Trollar
Noah Mera

Um vídeo da - até então - grande unanimidade musical nacional Chico Buarque espantado com as demonstrações de ódio na internet alcançou alguma repercussão no mês que passou. O cantor relata seu espanto ao encontrar em comentários da internet uma raiva contra si que nunca havia experimentado na rua. Na mesma linha o jornalista Geneton Moraes Neto relata indignado o ataque que sofreu via internet.

O que ambos experimentaram é um fenômeno ao qual está sujeito todo e qualquer conteúdo da internet: a ação de uma criatura saída da mitologia escandinava - o Troll. Como o ser mitológico, que pode ser gigante ou diminuto e domina as artes da ilusão, o troll tecnológico aproveita-se do anonimato e liberdade da internet para aprontar suas diabruras iconoclastas. Não há bastião, ícone ou ídolo que resista a sanha raivosa da criatura que utiliza-se largamente do twitter, fóruns, listas de discussão e da caixa de comentário dos blogs para sair destilando seu veneno e semeando a discórdia internet a fora.

Um ditado da internet dá o remédio para a praga: "Não alimente os Trolls". Um Troll que não encontre alguém para discutir perde seu encanto, a trollagem só funciona na medida da sua repercussão. Mas Trolls, como as baratas, alimentam-se de qualquer coisa e são incansáveis, insaciáveis.

E dá certo. Lembram da Banda Mais Bonita da Cidade (falei deles aqui )? Moro em Curitiba onde a banda atua há uns bons três anos e presenciei o poder do ódio. Conheci alguns dos membros da primeira onda de "Oração", pessoas que ajudaram a espalhar o vídeo, que haviam gostado genuinamente da coisa. Quando chegou a segunda onda, a dos ataques, alguma destas pessoas mudarem de opinião em minutos, da admiração e elogio ao escárnio. Não faço idéia de como se dá esse processo de convencimento, talvez porque a critica sempre parece mais inteligente que o endosso (mesmo que vazia, como é o caso da maioria absoluta das trollagens), talvez seja um processo de viralização análogo ao efeito manada do mercado de capitais, um ou dois comentários são replicados e puxam mais comentários que vão se espalhando e crescendo em número e influência.

Este fenômeno do ódio vem desde os primeiros tempos da internet e é relativamente bem conhecido, recentemente uma cultura crescente nos meios virtuais é que vem chamando a atenção dos especialistas, a cultura do curtir. Posso indicar dois excelentes artigos a estudar o fenômeno, o primeiro deles chama-se The Insidious Evil's of 'Like' Culture, de Neil Strauss e o segundo Curtir é Covardia, de Jonathan Franzen. Ambos dizem respeito sobre como a cultura do Curtir está invertendo os valores e a formação da autoestima nos indivíduos, que deveria ser construída de dentro para fora em algo fruto da quantificação de curtidas recebidas nas atualizações de status nas redes sociais. Como se, de repente, ao invés de um filme estivéssemos todos representando um stand-up pessoal eterno.

A cultura (e o botão) do curtir tem início em 2007 no site FriendFeed e cresceu exponencialmente a partir de sua implementação no Facebook em 2009 tornando-se quase onipresente do YouTube até o mais sisudo site de notícias e ainda acarreta em um outro mal, identificado por Strauss, não experimentamos ou lemos mais os conteúdos na internet para tirarmos nossas próprias conclusões, mas procuramos na quantificação das curtidas, pistas para como devemos nos sentir em relação a um determinado conteúdo.

Neste jogo de aprovação e pertencimento em busca da substituição das autoestimas será que a cultura do curtir, das massagens recíprocas em nossos egos, acabará com a cultura mais antiga, do ódio e do descontar nossas frustrações e stress no conteúdo alheio? Ou dividirão a internet cada uma em seus nichos/sites (que, coincidência ou não, fornecem ambiente favorável a cada um dos usos)?


Noah Mera
Curitiba, 10/8/2011

 

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