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Segunda-feira, 29/8/2011 Sobre o Hino Nacional Brasileiro Ricardo de Mattos
"A música está em tudo. Do mundo sai um hino"(Victor Hugo). Francisco Manuel da Silva A música do Hino foi composta em 1822. O autor foi o maestro e compositor brasileiro Francisco Manuel da Silva (1795-1865). Curioso descobrir que ele foi aluno do padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), nome forte de nossa música no período colonial. A finalidade da composição foi outra, mas a melodia alcançou tal popularidade que atravessou os séculos XIX e XX, alcançando ilesa o século XXI. O concurso para um novo hino foi frustrado, restando à República nascente providenciar outro certame na busca de letra que melhor se adaptasse. Somente em 1909 o poema de Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927), com enxertos de Gonçalves Dias (1823-1864), foi definida vitoriosa. As datas adrede indicadas revelam que a concepção do Hino deu-se sob a regência da forma e da ideologia de dois importantes "ismos" - romantismo e nacionalismo - o que explica a exultação dos versos. Salvo pesquisa minuciosa da imprensa e da correspondência pública e privada da primeira metade do século XIX, dificilmente podemos avaliar o que significou para os habitantes do novo país a independência de Portugal e o clima de autonomia instalado. Nós mesmos não temos noção da amplidão de nossa terra. Sequer aprendemos chamá-la "nossa". Com extrema lentidão e má vontade desenvolve-se a mentalidade que encara como problema pessoal as questões públicas. Quase um século separa a letra da melodia e o poema de Duque Estrada ainda insiste na admiração pelo "impávido colosso", a admiração que se tem diante do desconhecido. Reparemos que o hino contém certa narrativa. Conquistamos a liberdade de viver neste país imenso: "Ouviram do Ipiranga (...) desafia o nosso peito à própria morte". Esta liberdade era um antigo desejo: "Brasil, um sonho intenso (...) à terra desce". Nosso novo país tem riquezas naturais que parecem inesgotáveis: "Gigante pela própria natureza (...) 'mais amores'". Reconhecida nossa autonomia, queremos paz no futuro: "paz no futuro e glória no passado". Todavia, saberemos lutar pelo que é nosso: "Mas, se ergues da justiça (...) a própria morte". Notemos ainda que, embora fale duas vezes na morte, o Hino menciona as palavras "amor", "amores" e "amada" num total de nove vezes. Joaquim Osório Duque Estrada Pode-se alegar que a existência ou não de um hino é indiferente ou mesmo irrelevante. Pode-se argumentar que hinos são vestígios de um militarismo que se quer esquecer. Entretanto, podemos resumir o Hino Nacional como um acerto de contas com o passado e como projeção para o porvir, mesmo que as gerações seguintes ou não mais acreditem, ou nem sejam ensinadas a buscar este futuro. Quando pipocam as crises, seria importante retomar os anseios de nossos ancestrais e tomar verdadeiramente as rédeas da nação. A leitura deve ser atualizada. Não se deve entender como povo heróico capaz de brado retumbante apenas aquelas pessoas que viveram nas primeiras décadas do século XIX. Este heroísmo deve alcançar o brasileiro de hoje. Continua bravo e audaz este povo, embora a Administração, através de tributos infindáveis, tome compulsoriamente parte substancial de seus rendimentos e depois faça-o pagar tudo novamente em convênios, planos e serviços. Conserva traços de heroísmo aquele que, não encontrando amparo para suas necessidades básicas, nem recebendo educação sólida que lhe desperte ou fortaleça suas boas disposições, entrega-se ao vício e tomba pelas ruas, apesar de financiarmos bolsas e mais bolsas com a suposta finalidade de evitar justamente isto. Isentemos de culpa o Hino Nacional, pois não é sua culpa nossos concidadãos não aprenderem - e não haver interesse em ensiná-los - que a paz no futuro depende da glória em relação às lides do passado, e que o entendimento do binômio glória-paz não poderia ser apresentado como próprio de um tempo distante e de figuras vagas e espectrais, e sim, como algo que faz parte de nossa atualidade. Não amará a terra a juventude constrangida a repetir o que não entende, sem que lhe seja mostrado de alguma forma que berço esplêndido é este em que ela mesma vive, que campos e que bosques são estes com mais flores e mais vida. Nenhum peito será desafiado à própria morte caso esteja oprimido por obrigações diversas que lhe tolham o entendimento, e nenhuma pátria será amada enquanto o mutualismo do amor e do respeito não for atendido. Ricardo de Mattos |
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