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Sexta-feira, 21/12/2001
Cultura da canalhice
Rafael Azevedo

Não foram poucos os que apressaram-se em chamar Silvio Santos de gênio, depois do sucesso da Casa dos Artistas... nada contra o programa em especial, que claramente não é dirigido a um público de meu nível intelectual "e/ou" cultural, mas tudo contra essa impensada apologia do eterno animador de nossos domingos, fundamentada unicamente nos bons números que seu canal de TV obteve no Ibope. É um fenômeno tipicamente brasileiro, e um ainda por ser estudado a sério, esse que faz com que toda a espécie de canalhas, pulhas, e praticantes de atos ilícitos em geral sejam glorificados, exaltados e elogiados, enquanto muitas vezes quem submete-se à lei, à ordem, enfim, às normas básicas do que chamamos de civilização, é visto, ou melhor, malvisto, como “trouxa” e “otário”. SS plagiou, sem dó, medo ou culpa, o Big Brother, programa concebido e realizado por uma empresa holandesa, a Endemol, mudando um ou outro detalhe aqui e ali para fugir do rótulo “legal” de plágio (sempre os advogados...), e lançou-o, às pressas, para passar a perna na Globo, que foi "ingênua", e resolveu proceder pelos meios corretos, comprando os direitos do programa. Após algumas tentativas frustradas na justiça brasileira (viciada, como quase tudo no país, em prol de quem tem poder “e/ou” dinheiro), a empresa de Roberto Marinho viu-se obrigada a abandonar e esquecer o caso, depois de ter trazido com toda a história ainda mais audiência para o programa do SBT.
Subverter as leis, sem que elas sejam contestadas (ou sequer tenham motivo para sê-las) é uma constante no Brasil, e que vemos em todas as instâncias, no cotidiano em nosso país – por exemplo, no trânsito de uma cidade como São Paulo, onde vemos o sujeito que se orgulha por não ter pago uma multa de trânsito, outro que se vangloria por ter subornado certa vez o guarda, e aquele outro que foge do trânsito trafegando pelo acostamento. São espertos. Existem os milhares, milhões, de empresários que não pagam impostos, os comerciantes que vendem sem nota fiscal, os donos de postos de gasolina que vendem combustível adulterado - existem mesmo os delegados de polícia que nas horas vagas vendem as drogas que apreendem;`e tantos outros miraculosamente ungidos por essa "esperteza" que julgam colocar-lhes acima de todos os seus semelhantes. A apologia à canalhice é aqui prática quase que diária, e seu ato uma constante. Silvio Santos construiu seu “império” praticamente desprezando estas coisas tão sem importância como originalidade, honestidade e caráter. Plagiou sempre que pôde, copiando programas nacionais e internacionais, filmou situações de extrema humilhação e, envolvendo-as num rótulo de comédia vendeu-as como “pegadinhas”; explorou de maneira aviltante a miséria do povo deste país, arremessando aviõezinhos de 100 reais a multidões enlouquecidas de empregadas domésticas e obrigando “donas-de-casa” do Brasil inteiro a “manter em dia suas prestações do Baú.” No entanto, muitos os chamam insistentemente de gênio, de revolucionário, de mestre, e outras insânias; não foram poucas as vozes que se ergueram, cheios de revolta e ressentimento, contra o que dizem ser a “toda-poderosa” Globo, apenas por ela, num ato de extrema arrogância (!), ter cometido a absurda ousadia (!!) de lutar pelos direitos de exibir algo pelo qual havia pago direitos autorais, e de impedir que fosse passada para trás!
Não, mas ao contrário de muitos “intelectuais” que analisam o fenômeno (sic) televisão, não estou aqui contra o SBT devido ao que julgam ser a inferioridade da sua programação. Não, não vou falar mal de Ratinho. Não vou, pelos simples motivos de que esses programas não são dirigidos a mim, e tampouco a esses intelectuais, o que me remove (e deles, intelectuais, também) qualquer direito de julga-los sob meus valores culturais, e porque não vejo nas concorrentes melhorias significativas. O tal “padrão global de qualidade” não passa de uma das maiores falácias já inventadas em nossa mídia, a não ser que ele se refira a um padrão muito, mas muito rasteiro. A impressão que tenho é que a Globo faz o possível para tratar e manter seus espectadores no mais baixo nível de boçalidade; seu carro-chefe, as novelas, são mal-escritas, mal-atuadas, mal-feitas, e ainda assim acompanhadas com furor quase religioso por milhões através do território. Os filmes que ela passa são mal-dublados, editados e cortados; suas vinhetas rivalizam com as TVs do Iraque e do Afeganistão em termos de tecnologia; suas transmissões de futebol perdem para a transmissão da TV inglesa da Copa de 1966. Apesar disso, não entôo aquela velha e gasta canção ideológica que apregoa que Roberto Marinho manda no país (composta naquele típico monotom ressentido esquerdista) – e louvo a sua rede de TV porque pelo menos ele respeita preceitos básicos como direitos autorais. A justiça holandesa condenou Silvio e o SBT por plágio – espera-se que os responsáveis pela inocência deles em nossos tribunais fiquem sabendo disso, e fiquem pelo menos um pouco envergonhados. Mas duvido que isso ocorra – a cara-de-pau é um de nossos maiores bens culturais.

Entre a cruz e a caldeirinha
As pesquisas indicam que deveremos escolher, nas eleições presidenciais do ano que vem, entre Roseana, a filha de um dos maiores latifundiários do país, capitão-hereditário “dono” de um dos estados mais pobres da Federação, e Lula, um sujeito semi-analfabeto que posa para fotos, aos abraços, com um dos maiores assassinos do século, o tão pouco fidel Castro. Kyrie eleison, Christe eleison!

Barrabravas
Qualquer um que duvidava da belicosidade, selvageria, e do amor pela "porrada" dos argentinos, mesmo depois de assistir a inúmeras demonstrações de tais comportamentos em qualquer jogo de futebol que envolva alguma equipe daquele país, pôde ter suas dúvidas prontamente eliminadas após essas cenas lamentáveis de saques, badernas e tumultos em Buenos Aires nos últimos dias. Povinho perigoso, estes nossos vecinos. Graças a Deus nossa índole é mais pacata - somos ou não somos um país abençoado por Deus?

Rafael Azevedo
São Paulo, 21/12/2001

 

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