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Terça-feira, 29/11/2011
Neon Genesis Evangelion
Duanne Ribeiro

Desde outubro, o mangá Neon Genesis Evangelion está sendo republicado pela editora JBC - é a chance de conhecer ou redescobrir uma das franquias mais relevantes dos quadrinhos e da animação japonesa. No Japão, a HQ foi lançada em fevereiro de 1995, como um modo de divulgar sua versão em animação, e ainda não foi concluída. O anime, exibido a partir de outubro daquele ano e encerrado em 1996, alcançou sucesso e repercussão; em 2007, foi considerado por uma agência do Ministério de Educação japonês como o melhor de todos os tempos. A série pode ser comparada a Sandman, de Neil Gaiman; Watchmen, de Alan Moore; ou Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller - na medida em que também representa um salto de maturidade dentro de seu gênero.

Como Miller e Moore quanto aos quadrinhos americanos, Evangelion lida com uma forma japonesa típica - enquanto os primeiros releem o conceito de super-herói, a série faz uso do gênero dos mecha, isto é, robôs gigantes, controlados por humanos. Como Gaiman, seu mundo é criado em diálogo com referências culturais diversas - se ele cria sua fantasia a partir de múltiplas mitologias, ela recorre principalmente à tradição judaico-cristã. O núcleo da produção, no entanto, não está ai; além da ficção científica e do fantástico, seu foco está no relacionamento humano, nos abismos da relação do indivíduo consigo e com os outros.

Os principais artistas na produção de Evangelion são Hideaki Anno e Yoshiyuki Sadamoto. Sadamoto fez o design de personagens para o anime e produz a adaptação em mangá. Além disso, é um dos fundadores do estúdio Gainax, responsável pelo desenho animado. Já Anno foi o diretor da animação. Seu talento foi revelado pelo trabalho com Hayao Miyasaki - um diretor conhecido no Brasil para além de nichos, por obras como A Viagem de Chihiro - para o qual foi animador em Nausicaä do Vale do Vento.

A história se dá em um cenário distópico. No ano 2000, a Terra é atingida por um meteoro; a catástrofe, que fica conhecida como "Segundo Impacto", reduz a população mundial pela metade. Quinze anos depois, ainda em processo de recuperação, a raça humana é ameaçada novamente, por imensas criaturas, resistentes a todo tipo de ataque convencional e evidente objetivo de destruição: os "anjos". Para confrontá-los, haviam sido criados os EVAs, andróides que precisam ser pilotados por adolescentes específicos, com características necessárias para a "sincronização" com os robôs. A relação entre o cataclismo, a chegada dos monstros e a prontidão visionária dessas novas "armas" serão depois esclarecidos, assim como a razão do uso de um nome cristão para nomeá-los.

São produzidos três EVAs, cada qual pilotado por uma "criança": o garoto Shinji Ikari e as meninas Rei Ayanami e Asuka Langley Soryu, todos com idade entre 13 e 14. A postura de cada um deles frente à sua "missão" é um dos pontos importantes na série: por que pilotar o EVA? A identificação com os personagens acontece assim que se sente que essa pergunta é, na verdade, mais geral: de onde vem a sua motivação? Por que faz o que faz?

Shinji é o nosso protagonista. Filho de Gendou Ikari, chefe da organização que construiu os EVAs, sempre esteve distante do pai, que o ignorava. Inesperadamente, Gendou o chama à sua cidade. Não se tratava de um reencontro entre familiares, mas de um alistamento. O pai exige que o filho seja um dos pilotos. A tensão entre a necessidade de afirmação de Shinji e a frieza e o calculismo de Gendou é uma das linhas dramáticas principais - e, assim como poderia afastar o garoto da luta a que é chamado, o atrai. Esse conflito exemplifica os temas de Evangelion: o duelo entre afetos distintos, os que se sobrepõem, os que ficam para trás.

Ainda uma última camada se torna evidente logo nos primeiros momentos. Todo o sistema contra o "anjos" parece escamotear outros propósitos da NERV, grupo contratado pela ONU e responsável pela construção dos robôs. Não só a origem e sentido dos ataques é escondida, mas também o Projeto de Instrumentalização Humana, que parece fundamental e do qual, inicialmente, não sabemos nada. Pouco a pouco, os mistérios e farsas vão sendo elucidados, de maneira semelhante a séries como Arquivo X, Lost e Fringe.

Outras Versões, Outros Fins
O mangá é em certa medida independente da animação e possui algumas diferenças. Ainda está sendo produzido no Japão: de 13 volumes previstos, 12 estão concluídos. No Brasil, 10 destes volumes foram publicados pela Conrad, em 20 edições. A partir daí, a publicação foi assumida pela JBC, que publicou outras quatro (referentes aos números japoneses 11 e 12). O que a editora faz agora é republicar a HQ do início, no formato japonês original.

O atraso dos quadrinhos em relação ao anime se deve ao ritmo de produção de Sadamoto, que esteve mais envolvido com o projeto Rebuild of Evangelion, série de quatro filmes que recontam a animação original, também com algumas variações. Já foram lançadas duas das releituras: Evangelion: 1.0 You Are (Not) Alone e Evangelion 2.0 You Can (Not) Advance. O final da história, tanto no mangá quanto nas novas animações, pode ser substancialmente diferente. O anime já possui um duplo fim: pouco após o término dos 26 episódios, o longa The End of Evangelion foi lançado, com uma reinterpretação dos dois últimos capítulos.

Há muitas características de Evangelion que poderiam ser destacadas: o caráter animalesco dos EVAs; a ligação física e mental dos pilotos com seus robôs; os recursos da animação se pensada como cinema: o uso do silêncio e da sugestão; o traço cheio de rachuras, sombras e velocidade da HQ; entre outros elementos. Por sua qualidade, seus detalhes, sua densidade interpretativa, mereceria um texto maior, que desse conta pelo menos dos aspectos críticos da série, sua abordagem da psicologia e da metafísica. Mas esta é uma apresentação - um convite. Assista ou leia, leitor, e volte cá que a gente discute nos comentários.

Duanne Ribeiro
São Paulo, 29/11/2011

 

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