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Quinta-feira, 29/3/2012 Millôr e eu Vitor Diel Millôr é o autor que eu mais leio e releio. Eu leio Millôr o tempo inteiro. Foi com seus livros que entendi o real significado da expressão leitura de cabeceira. Por isso também a perda do Millôr é pra mim uma perda pessoal, familiar. Millôr nunca fez faculdade. Dizia ter se formado na Universidade do Méier ― bairro do subúrbio carioca que o preparou para a vida. Quando entrei no Facebook, não pensei duas vezes antes de indicar a instituição de ensino na qual estudei: Universidade do Méier ― Ensino à distância. A comunidade da UdM chora. Meu trabalho de conclusão na faculdade foi sobre Millôr Fernandes. Meu orientador sugeriu que eu negociasse uma entrevista com o Guru do Méier. Corri atrás e consegui o telefone do Millôr. Liguei. Caiu na secretária eletrônica: ― Fale ou fax! Fiquei nervoso e desliguei. Jamais o entrevistei, faltou-me coragem. Orientador cobrou: você está me devendo, deixe isso para o mestrado. Conferi a agenda do celular agora: ainda tenho o telefone do Millôr, mas sem mestrado à vista. Muita gente não sabe, mas o nome do Millôr era, originalmente, Milton: Milton Viola Fernandes. "Na certidão, expedida no dia 28 de maio de 1924, o T, aberto na parte superior, teve seu traço colocado apenas sobre a letra O, e o N ficou inconcluso ― sugerindo o nome Millôr, em vez de Milton". Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira: Millôr Fernandes. Entre 2008 e 2010, eu comi, bebi e respirei Millôr Fernandes. Lembro até hoje quando abri um livro seu pela primeira vez, na biblioteca: O livro vermelho dos pensamentos de Millôr Fernandes mudou a minha vida. Com ele, aprendi que era possível fazer o que o Millôr fazia desde os anos 40: provocar reflexão afiada com graça. Millôr foi meu mestre, professor, pai, amigo, amor. Ainda hoje, quando preciso destravar a escrita de um texto, leio Millôr. Sua obra é o óleo lubrificante do meu motor. Meu tesão, minha graça, minha paixão, minha inspiração. No ano passado, perdi Moacyr Scliar. Agora, perco Millôr. Estou zonzo. Eu os amava e sempre os amarei. Amo suas obras e a tremenda contribuição que deram à cultura e ao povo deste País. Millôr formou-me. Me fez alguém, fez eu me encontrar e o faz toda vez em que o leio. Nunca o conheci pessoalmente, mas, ingenuamente, sonhava acordado com esse encontro. Uma vez, disseram-me "se o encontrares, aja com naturalidade, ele não gosta de tietagem". Também me disseram que a assustadora carga de conhecimento acumulado em vida era transmitida pelo seu olhar, algo normal para quem tem mais de 5 mil livros em sua biblioteca particular ― dos quais se gabava ter lido todos. Hoje, perdi a chance de encontrá-lo. Aqui, ao meu lado, agora, um exemplar de Millôr Fernandes ― A entrevista, e outro de Conpozissõis Imfãtis me dizem: o Millôr tá vivo! O Millôr nunca vai morrer. Chamem de desespero ou negação, mas eu sinto que o Millôr nunca vai morrer. Porém, em 1971, ele escreveu: "Viver é desenhar sem borracha". E Millôr não vai mais desenhar. Todo mundo, um dia, para de desenhar. No fim, muitos deixam para o mundo garatujas e rabiscos insípidos, em folhas de papel reutilizadas como blocos de anotações. Outros, deixam obras. É o caso do Millôr. Seus rabiscos mudaram vidas. A minha, pelo menos, mudou. Vitor Diel |
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