busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Segunda-feira, 23/1/2012
2011: a queda do império?
Gian Danton

Pode não parecer, mas no futuro, 2011 provavelmente será lembrado como histórico: o ano em que o império americano sofreu o seu primeiro (e talvez fundamental) abalo. No mesmo período em que o custo da guerra do Iraque chegou a inacreditáveis 2 trilhões de dólares, o Tio Sam falou, pela primeira vez, em calote da dívida. Neste mesmo ano os EUA começaram a perder, para a China, o domínio da pesquisa científica.

Se financeira e cientificamente os EUA estão perdendo terreno, em termos de indústria cultural, o país continua mantendo grande influência e poder. Exemplo disso é o sucesso de suas produções cinematográficas.

O filme do Capitão América, por exemplo, foi uma das maiores bilheterias do ano. Apesar da aparência de símbolo do Império americano, o personagem é uma fábula judaica. Criada por dois judeus, Jack Kirby e Joe Simon (que morreu este ano), o personagem representa o fraco judeu, que, perseguido pelo nazismo, consegue se superar e tornar-se um herói no novo mundo. O filme, dirigido por Joe Johnston manteve esse mote ao mostrar um Steve Rogers fraco, vítima de buyilling, desprezado por todos, que, ao se oferecer para uma experiência científica, torna-se um super-soldado e ajuda a derrotar a ameaça nazista.

A parte inicial, com quase nenhum efeito além do emagrecimento do protagonista Chris Evans, é uma das mais agradáveis da película. Outra surpresa agradável foi X-men - first class, do diretor Matthew Vaughn (Kick Ass). Antes de estrear, todos apostavam que essa adaptação seria a bomba do ano. Os primeiros cartazes eram estranhos e o orçamento parecia baixo demais para um filme de super-heróis (80 milhões - uma ninharia comparado com Thor, por exemplo).

Mas a falta de dinheiro parece ter trabalhado a favor do filme: a pirotecnia de efeitos especiais e ação contínua foram substituídas por uma ótima história, um roteiro redondo e um aprofundamento de personagens poucas vezes visto nos outros X-men. A relação Xavier - Magneto, por exemplo, só é de fato compreendida nesse filme. Nos outros ela fica apenas implícita. O filme também acerta em situar a trama nos anos 1960, dando um tom histórico (especialmente pelo contexto da crise dos mísseis em Cuba) e comportamental: quando os mutantes jovens se divertem dançando rock é impossível não associar com a juventude dos anos 1960.

Vale lembrar que os X-men também foram criados por judeus: Jack Kirby e Stan Lee e também refletem uma certa mitologia judaica: o fato de serem perseguidos e de tentarem se parecer com pessoas normais lembra a saga de perseguição aos judeus na Europa e como muitos deles (inclusive seus criadores) mudaram até mesmo de nome para tornar menos evidente sua ascendência.

Os dois filmes nos lembram como os EUA se tornaram uma potência cultural: quando milhares de artistas, fugindo do nazismo, foram para o país. A riqueza artística do país está ligada à sua capacidade de assimilar os melhores autores de outros locais e enquanto isso continuar acontecendo, dificilmente Tio Sam perderá seu poder cultural.

Outro grande sucesso vindo da Indústria cultural norte-americana é a saga Crônicas de gelo e fogo, que estourou após ser transformada em série de TV com o nome do primeiro volume, Guerra dos tronos.

Escritos por George R.R. Martin, os livros representam um amadurecimento do gênero fantasia com histórias que se aproximam do realismo, personagens complexos, reviravoltas e uma única certeza: nenhum dos personagens é imortal.

Na área de quadrinhos, um dos destaques foi o álbum Sinal e Ruído, de Neil Gaiman e Dave McKean, de Orquídea Negra e Sandman.

A trama gira em torno de um cineasta diagnosticado com câncer que escreve um filme que jamais dirigirá sobre um grupo de pessoas que espera o fim do mundo no ano de 999.

Não é, nem de longe, uma narrativa convencional em nenhum sentido, nem do ponto vista textual, nem de imagens. Gaiman mescla a história do cineasta com a do fim do mundo ("O mundo está sempre acabando para alguém", diz o cineasta, resumindo em poucas palavras o conteúdo do álbum) e até mistura os personagens, fazendo com que o cineasta interaja com os protagonistas de seu filme. McKean brinca com o título Sinal e ruído e mistura cenas quase realistas com trechos que são verdadeiro ruído (aliás, esse é sem dúvida um dos melhores trabalhos de McKean).

O álbum foi publicado originalmente em 1989 e era um dos trabalhos mais comentados da dupla Neil Gaiman e Dave McKean, mas só chegou ao país mais de 20 anos depois. Pela demora, perdeu muito do impacto, mas ainda é uma leitura obrigatória.

Outro lançamento interessante foi a coleção Pateta faz história. Com um roteiro que não se preocupava em seguir rigidamente os fatos históricos, de um humor surreal, esse material argentino valia o dinheiro investido. Na história sobre Pasteur, por exemplo, o cientista descobre que a bactéria que faz azedar o leite morre após um incêndio em sua casa. Para analisar o fenômeno, ele começa a colocar fogo em outras casas de Paris, sempre pelo bem da ciência...

Uma curiosidade é que o tema da série parece ser menos os fatos históricos e mais os conflitos de gerações. Os pais geralmente são mostrados como figuras autoritárias, que não aceitam a profissão dos filhos. Esse aspecto fica bastante óbvio nas histórias sobre Colombo, Newton, Da Vinci e Strauss. Talvez isso seja um reflexo da péssima relação de Disney com o pai, já documentada por vários historiadores. Nos filmes da Disney, essa relação conflituosa aparece na total ausência dos pais dos protagonistas.

Por fim, um lançamento em quadrinhos que não poderia faltar em qualquer lista é o MSP Novos 50, último volume da trilogia em homenagem aos 50 anos de Maurício de Sousa (os outros volumes são o MSP 50, lançado em 2010 e o MSP+50, de 2011). As edições reuniram os melhores artistas de quadrinhos no Brasil em releituras de personagens que marcaram a infância de todos. A coleção de álbuns de luxo é um marco dos quadrinhos nacionais não só pela qualidade, mas pelo sucesso, com vendas muito acima do esperado e mostra que o que faltava à HQB era visão editorial. O estúdio já anunciou para 2012 a publicação das graphics MSP, álbuns de luxo, voltados para o público adulto com visões autorais dos personagens de Maurício. Certamente será um dos maiores lançamentos do próximo ano.

Gian Danton
Macapá, 23/1/2012

 

busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês