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Quinta-feira, 12/1/2012 Alguns momentos com Daniel Piza Eduardo Carvalho Uma noite na fazenda. Sexta-feira, sozinho na fazenda, em Barretos, sento numa poltrona no escritório e abro a Gazeta Mercantil. Não sei que tipo de notícia ou cotação listada no jornal poderia afetar a decisão de um menino de dezesseis anos de férias. Talvez nenhuma, e provavelmente por isso me concentrei no caderno de título menos árido: "Fim de semana". Não me lembro exatamente dos assuntos da primeira coluna Sinopse que li. Mas ficou uma impressão, que no mesmo dia passei ao meu pai por telefone, animado: "Pai, descobri um novo Paulo Francis". Uma rotina semanal. Voltando da faculdade a pé, desço a Haddock Lobo em direção aos Jardins. Confiro os trocados na mochila e, na banca da esquina com a Alameda Franca, compro a Gazeta Mercantil. Em casa, leio o Daniel Piza antes do almoço, correndo. Recorto as suas colunas e coloco numa pasta ― a mesma em que estão guardadas até hoje. Uma citação. Pergunto por e-mail o que o Daniel acha de Maugham e de O fio da navalha. Ele me adianta que respondeu na sua próxima coluna. Quinta-feira à noite, saio com um amigo ― também leitor assíduo da Sinopse, aliás ― e de madrugada passamos na banca da Groenlândia para checar se a Gazeta Mercantil já havia chegado. Fiquei emocionado. "O leitor Eduardo Carvalho conta de sua impressão quando, adolescente, leu o O Fio da Navalha, de Maugham. (...) Hoje, em retrospecto, acho o livro xaroposo, com aquela utopia da opção franciscana, de se libertar de bens materiais, etc. Mas o impacto sobre o adolescente realmente existe: você começa a sonhar com formas alternativas de vida, menos hipócritas, menos reprimidas. Só não acho que a solução seja ir lavar pratos na Índia." Nunca me esqueci dessa última frase. Fomos orgulhosos para a balada. Um cineclube e vários e-mails perdidos. Digo ao Daniel que estudo na GV, e ele me responde que o seu irmão também estudou lá, e que se lembra com carinho da época em que freqüentava o cineclube da Escola, onde assistiu vários clássicos. Imprimi e guardei os e-mails dessa época. Não sei onde estão. Com nexo. Para um site extinto rapidamente, e cujo acervo nunca descobri se está disponível em algum lugar, o Daniel Piza montou uma lista de dez livros que recomendava para jovens leitores e manteve uma coluna chamada Nexo, em que buscava sentido em fenômenos a princípio incompreensíveis. Escreveu sobre igrejas evangélicas e sobre "personalidades" como, se não me engano, a Tiazinha. Essa capacidade de entender racionalmente alguma coisa e ao mesmo tempo manter o espírito crítico com relação a ela é um princípio da inteligência ideal. Uma época. Abro um e-mail do Daniel Piza. Com centenas de destinatários, demorei para chegar no texto. É um aviso de que está se transferindo para o Estadão. (Foi através deste e-mail, aliás, que conheci o Julio.) Não fiquei feliz. Achei que fosse perder a informalidade, a liberdade que a menor circulação da Gazeta lhe permitia. Um jornal grande lhe controlaria mais as opiniões e/ou lhe exigiria assuntos mais populares. Não acho que foi exatamente isso que aconteceu. Mas ainda prefiro a sua época na Gazeta Mercantil. Era como se ele escrevesse só para nós. Um vendedor pedante. Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (ainda aquela antiga), Pergunto ao vendedor se já chegou Questão de gosto. "Ah, aquele do Daniel Piza", responde o vendedor, que emenda: "Tinha que ser. Que título pedante, né? Vou ver". Na hora, eu não entendi o comentário e não respondi nada, mas fiquei um pouco incomodado. O livro não havia chegado. Até hoje reconheceria aquele vendedor na rua. Questão de estilo. O Daniel tinha um estilo ― digamos ― jornalisticamente impecável e ao mesmo tempo facilmente reconhecível. Era direto, como Francis, e rápido, preciso, como Machado. A última frase dos seus textos tinha normalmente alguma sacada. Eu gostava de ver ele escapar dos manuais e usar "etc., etc.", ou colocar dois adjetivos com a primeira sílaba parecida juntos, como "limpo e lindo". O Daniel não desperdiçava nenhum recurso da pontuação: seus textos eram repletos de ponto e vírgula, travessões, e fluíam agradavelmente. Seu aforismo preferido, aliás: "Estilo é aquilo que você construiu e já era seu". Uma banca na Vila Nova Conceição. Enquanto folheio revistas, ouço um cliente perguntar pro dono da banca se a coluna do Daniel Piza havia saído naquele domingo. (Ele ― o Daniel ― devia estar voltando de férias.) Não ouvi a continuação da conversa. Foi a primeira vez que percebi que o Daniel não escrevia só para nós. Uma foto na Flip. Encontro o Daniel sozinho saindo da palestra do Davi Arrigucci Jr. sobre Manuel Bandeira, na abertura da Flip em 2009. Paramos ao lado da ponte e conversamos sobre vários assuntos. Me lembro do Daniel achar mais ou menos a palestra ("sempre a mesma coisa...") e dizer que Bandeira não é nenhum Drummond. Um menino de mais ou menos quinze anos se aproximou: "Você é o Daniel Piza?" Tirei uma foto dos dois. O menino agradeceu e, contente, mostrou a foto pra mãe. Daniel também era, como escreveu sobre Sócrates, um ídolo improvável. Um jantar. Antonio Peticov descobre que o Daniel gosta de artes plásticas e que começou a carreira escrevendo sobre o assunto: "E aí, quais pintores você mais gosta?". O Daniel responde e o Peticov, sério, impressionado com a resposta: "Beleza, está aprovado". Na volta, dou carona pro Daniel. Deixo ele na esquina da Rua Pará com a Av. Angélica. Não me lembro do que conversamos no carro. O fantasma da ópera. Sempre que ia a shows, teatro, etc., esperava encontrar o Daniel Piza na saída. Raramente isso aconteceu. Por um motivo nebuloso, costumo lembrar dele saindo do Teatro Alfa numa noite de inverno em São Paulo. Ele deve ter descrito uma situação parecida em sua coluna, e essa cena ficou na minha cabeça até hoje. Encontros e desencontros. O Daniel era uma das figuras mais freqüentes no Shopping Higienópolis. Me lembro de tê-lo visto pela primeira vez comprando roupas para seus filhos na Chicletaria; em outra ocasião, subimos a escada rolante conversando sobre o filme que ele ia assistir no cinema; sentamos coincidentemente ao lado em vários cafés; pegamos juntos uma fila no caixa da Track & Field. Normalmente com outras companhias, nunca conversamos muito nessas situações. Uma disposição euclidiana. No anfiteatro do Harmonia, o projetor falha antes da apresentação sobre Euclides da Cunha. A palestra foi até aproximadamente umas 10 da noite, e o Daniel ainda tomou uma com o pessoal depois da aula. Fiquei impressionado com a sua erudição e disposição. Uma redação impossível. Almoço com Julio, o Polzonoff e o Daniel. Muita conversa sobre jornalismo e internet. Anoto no celular a dica de um livro ou escritor. Enquanto espera o motorista do jornal, o Daniel faz um comentário generoso, mais ou menos assim: imagina se conseguirmos montar uma redação com um pessoal como a gente. Afinidades eletivas. O Daniel nasceu só um pouco antes da gente (dez anos, no meu caso) e estava vivendo praticamente a nossa mesma geração. Como disse o Julio: era quase um irmão mais velho. Ele viveu logo antes as experiências que viveríamos em seguida (trabalho, casamento, filhos, etc.), e descobriu muita coisa interessante no caminho (livros, músicas, viagens, etc.). E havia nele essa combinação da vida intelectual com a prática, a variação entre o escritório e a aventura, que é um estilo de vida muito sensato e sedutor. E que ― para usar uma expressão de Francis sobre Machado, seus ídolos ― é o que se deve emular. Outras afinidades. Encontro o Julio na extinta Livraria Boavista, na Faria Lima, para o lançamento de Ora, bolas. Ficamos ― eu e o Julio ― muito tempo conversando ao lado da mesa de autógrafos. Com carinho, guardo o meu: "Ao Eduardo, Com afinidades intelectuais". Eduardo Carvalho |
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