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Quinta-feira, 16/2/2012 Vamos comer Wando - Velório em tempos de internet Noah Mera A necrofilia da arte Dá meu endereço a quem não gosto A necrofilia da arte Faz compreender quem não conheço Pato Fu - A necrofilia da arte Depois de morto, todo mundo vira santo observa a sabedoria popular. Esta é uma revisão natural, procurar o que há de bom nos feitos e na vida de qualquer pessoa falecida, não por alguma inclinação gentil da humanidade, mas sim porque a morte nos espanta. A morte, só se sabe a dos outros, e é a prova última da igualdade de toda a raça dos humanos. Nas inigualáveis palavras do poeta Ariano Suassuna o morto Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Se a morte nos iguala, acho que os elogios póstumos não vêm de nenhum altruísmo, mas sim até de um certo egoísmo motivado por essa empatia forçada diante do mistério. Fazemos pelo morto o que queremos que seja feito por nós. Mas o movimento contrário também é tão natural quanto essa identificação súbita - Principalmente quando se trata de uma figura pública. Sempre há alguém a nos lembrar que o morto não era esse santinho que se pinta. O mecanismo que leva à admiração súbita ou à falta de empatia me parece completamente aleatório. Não dá pra saber como a morte de uma figura pública vai impactar quem quer que seja. Quando o morto é algum artista o fenômeno é ainda mais visível. Baixamos nossa guarda quanto ao julgamento moral e estético e assim podemos nos pegar elogiando as qualidades de quem implicamos a vida inteira - quiçá descobrir uma admiração antes impossível. É a morte vencendo a barreira do tecladinho de churrascaria e quetais, levando àqueles fenômenos de consumo que seguem a morte dos artistas. Na internet, onde a opinião se tornou um imperativo e tudo gera discussões intermináveis (até chegar o próximo assunto) o velório público dos artistas alcançou um novo patamar. A morte de algum artista rapidamente se transforma em uma disputa de argumentos sobre a legitimidade da obra do artista. É isso que identifica a jornalista Rosana Hermann no artigo em que analisa alguns tweets sobre a morte do cantor Wando e comparando com os dedicados à Amy Winehouse. Eu nunca fui o público do Wando. Nunca escutei uma música inteira do Wando (nem "Fogo e Paixão" que eu só conheço o refrão que todo mundo conhece) mas sempre tive a maior simpatia pela figura do cantor. Wando, Amado Batista, Odair José e semelhantes são representantes e porta-vozes de um tipo folclórico de brasileiro - o macho romântico como define Xico Sá (seu panegírico dedicado ao Wando é ouro). Feliz do país que conta com um tiozão colecionador de calcinhas em seu rol de celebridades populares! O Brega é o nosso punk. É música feita do povão para o povão, mas sem a parte carrancuda - que música é lugar de festa, cerveja, suor e sexo e defender o seu é na labuta de sol-a-sol. Estilo sincero e consciente de si, os artistas do brega nunca se levaram muito a sério - Quer característica mais brasileira que essa? Acho que é essa falta de artifícios que afasta a pretensa inteligentsia mais que a tosqueira da produção. Quem vê aquela montagem comparando Aí se eu te pego do Popstar Michel Teló com a letra pedantíssima de Daniel na Cova dos Leões do Renato Russo sabe do que eu estou falando. E é assim que me sinto credenciado, mesmo conhecendo patavina da obra do Wando a saudá-lo! Foi com espanto que no dia de sua morte me vi necessitado a escrever alguma coisa, um conto remotamente inspirado no mundo do brega - Vida e morte de um outro rei do brega. Noah Mera |
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