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Terça-feira, 1/5/2012 O Anvil e o amor à música Rafael Fernandes Anvil! A história do Anvil (Anvil! The Story of Anvil, de 2008), de Sacha Gervasi, é um ótimo documentário sobre música. Conta a trajetória da banda do título do começo até...bem, não é até o estrelato. Afinal, o Anvil foi uma daquelas bandas que, por motivos diversos, acabou ficando pelo caminho. Não alcançou o sucesso comercial de bandas contemporâneas como Scorpions, Whitesnake e Bon Jovi, que aparecem no começo do filme participando do Super Rock Festival, no Japão, em 1984. Apesar disso, a banda não se desfez e continuou batalhando - apesar da torcida contra. Esse é o mote do roteiro: acompanhar o dia a dia de quem fracassou. A história contada, em geral, é de quem fez (muito) sucesso. Mas a vida é também feita por quem ficou para trás. Para cada Metallica existem milhares de Anvils. O documentário pode ser apreciado por qualquer interessado nos pequenos dramas humanos. Mas é mais saboroso para quem ama música e tem algum conhecimento de metal. E, mais ainda, para quem já teve uma banda com amigos e imaginou, mesmo que por pouco tempo, ser um astro do rock. O filme conta com depoimentos de especialistas como Malcom Dome (da revista Metal Hammer) e de músicos do rock e metal, como Lars Ulrich (Metallica), Scott Ian (Anthrax), Lemmy (Motorhead), Tom Araya (Slayer) e Slash. Todos contribuem com depoimentos honestos, mas que também têm uma carga de condescendência. No filme, a dupla Steve "Lips" Kudlow (guitarra e vocais) e Rob Reiner (bateria), os remanescentes da banda original, personifica o ideal de milhares de adolescentes de "explodir" no mercado. Lips, o líder, atualmente trabalha com entrega de refeições para buffets de escolas no Canadá. A banda de um lado aparece como um eterno sonho; de outro, como a válvula de escape para as pressões do dia a dia (alguém mais se reconheceu aí?). Ele fica o tempo inteiro tentando racionalizar suas dificuldades e insucessos; busca se convencer de que tem feito de tudo para a banda dar certo. Rob Reiner, seu fiel escudeiro, trabalha com construção e está na mesma situação - a banda lhe dá equilibrio e um toque de esperança. Em diversos momentos, apesar de ainda sonhar, Rob parece mais resignado em relação à situação atual do Anvil do que seu amigo. Lips sempre demonstra um misto de ingenuidade e rancor: acha que a banda pode ser redescoberta e ter sucesso; por outro lado, destila ódio em relação a gravadoras que os dispensaram ou a quem não acredita mais neles. Muitas vezes parece ainda um adolescente cheio de sonhos, argumentos insossos e ansioso para falar "oi" para alguns de seus ídolos, em alguns dos raros festivais de maior porte que o grupo participou. A verdade é que o tipo de heavy metal que o grupo faz - mais tradicional - está em decadência comercial e estilística há anos. Seu auge foi no meio dos anos 80. Depois, queda livre. Qualquer exemplo contrário será a exceção. O Anvil é o estereótipo do metal daquela década: os riffs clichês do gênero, as letras tolas, as roupas de couro, os movimentos corporais e a mesmice de um gênero que insiste em não mudar. Apesar disso, a banda sobrevive. Quando o documentário se encaminha para sua metade, surge uma oportunidade de turnê pela Europa: os países agendados e o valor dos cachês animam. Mas a realidade é bem diferente. Os shows passam por festivais de pequeno porte, locais muito pequenos até bares moquifados com menos de trinta pessoas. No meio da turnê, depois de ficarem sem pagamento e de não terem tocado num dos bares, Reiner vai no ponto certo - o gancho do filme: por quanto tempo uma pessoa pode colocar amor e dedicação em algo? Mas talvez a maior ducha de água fria, uma visão realista, seja dada pela irmã de Rob. Ela afirma que, se depois de trinta anos, não se consegue colocar mais de cem pessoas num bar é porque "acabou". É uma bela observação, mas será que desistir da banda, realmente, traria algum beneficio para eles? Ou simplesmente a válvula de escape teria desaparecido? Em outro momento a dupla chega à conclusão de que o problema estaria na má quailidade de som de seus discos. Eles recontatam Chris Tsangarides (Thin Lizzy, Angra, Black Sabbath, Judas Priest, etc), seu produtor do começo. Chris, além de ter de lidar com brigas da dupla, faz algumas observações interessantes sobre os problemas da produção independente. Não é só o som da gravação. É também a falta de ter apoio, de uma equipe que ajude. E é preciso que cada um nessa equipe saiba fazer bem apenas a sua parte: o artista, tocar; o produtor, ajudar a tirar o som; o manager, cuidar do dia a dia e da turnê; alguém para fazer o marketing, etc. Chega uma hora em que só a vontade e dedicação dos músicos não basta. É simbólica a cena em que o duo se encontra com um executivo da EMI canadense. É nítida a falta de conexão entre eles: o executivo está à procura da próxima novidade, provavelmente tentando salvar sua gravadora, seu emprego; o Anvil apresenta um metal oitentista caricato. Lips tem um argumento banal, pueril, dizendo que é preciso fazer "justiça" com algo que soa tão bem. O executivo balança a cabeça concordando - mas fica claro que ele está desconfortável com a situação toda. E é óbvio que a reunião não dá em nada e eles lançam novamente um disco independente. Lips e Rob Reiner de certo modo personificam também o eterno "e se" que todos nós enfrentamos. "E se eu tivesse feito diferente?". Num primeiro momento, a impressão que nos dá é a de dois fracassados. Mas além de ser uma leitura muito injusta e rasa, talvez haja algo mais: Lips e Robb são menos hipócritas que a maioria de nós. Eles continuam perseguindo o tal "sonho", enquanto nós o escondemos em alguma caixa, numa foto, num desejo. No final das contas, não somos tão diferentes deles. A trajetória do Anvil mostra um amor quase puro à música. A necessidade de quem ama a arte dos sons de apenas estar em contato com ela, independente do resto. Racionalmente, podemos listar inúmeros fatores para a não ascenção da banda. E também diversos motivos pelos quais deveriam encerrar suas atividades. Mas o que fica é o valor da amizade, das pessoas, dos bons momentos e, claro, da música. Rafael Fernandes |
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