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Quarta-feira, 1/8/2012 O mal de Vila-Matas Luiz Rebinski Junior Quando este texto estiver disponível, o senhor Enrique Vila-Matas já vai ter voltado para sua terra depois de ter enfeitiçado a plateia brasileira que tirou um bom dinheirinho do bolso e fez vigília na frente do computador para comprar um ingressinho para vê-lo na Flip, a festa mais bacanuda das letras nacionais. Vila-Matas é um bom escritor, mas seus livros o transformaram em algo bem maior. Claro, os romances de Vila-Matas são tão gostosos de ler quanto um romance policial barato, mas com a vantagem que o leitor termina o livro com uma leve sensação de que é uma pessoa inteligente, que acaba de ler um romancista que não é pra qualquer um. Afinal, as histórias que Vila-Matas conta estão recheadas de referências à literatura, autores e livros clássicos. Para entender um dos títulos mais aclamados do catalão, é preciso saber quem foi Melville, o criador de Bartleby, personagem que serve de mote para Bartleby e companhia, romance de Vila-Matas. E assim, nessa toada metalinguística segue a obra do escritor, com livros tão ou mais reverentes à literatura quanto Bartleby e companhia. Mas o autor, a exemplo de um de seus personagens, parece sofrer do mal de Montano. Obcecado pela literatura e pelo literário, Vila-Matas não consegue se desvencilhar do universo dos livros. No que não está sozinho, pelo contrário. Vila-Matas apenas fez da literatura, como personagem, a marca de sua ficção, mas a tática é tão antiga quanto a própria literatura moderna. É só pensar em Dom Quixote, um livro de cavalaria que tenta sacanear os livros de cavalaria de sua época, mesmo se inspirando neles. E, seguindo os séculos, são incontáveis os livros de ficção que têm a literatura como mote. Recurso - ou seria tendência? - que parece cada vez mais presente na literatura contemporânea. Claro, posso ser um leitor limitado e azarado, que só lê romances em que há um personagem escritor ou jornalista, ou livros cujo enredo, coincidentemente, é o próprio livro que o narrador escreveu e, também, o livro que o leitor tem em mãos. Ou seja, um tipo de literatura que só olha para dentro. Mas não sei se se trata de falta de imaginação ou comodismo. Sei que o escritor deve sempre falar daquilo que entende, mas a literatura ficaria muito chata se os escritores seguissem apenas esta lógica, pois o que mais entendem, pelo menos na teoria, é de literatura, ainda que eu conheça vários escritores que leem muito pouco, o que é algo estranho. Mas o fato é que o personagem-escritor parece ter virado uma praga. (Tenho aqui comigo que parte disso se deve aos escritores que deram vida ao mito da escrita espontânea - que Truman Capote dizia ser datilografia e não propriamente literatura). Assim fica difícil sustentar a ficção diante de narrativas tão evidentemente autobiográficas. Mas, claro, a culpa é sempre do leitor, que é preguiçoso e, por conta de seu limitado entendimento sobre os meandros da criação, não consegue dissociar ficção de realidade. O que fica ainda mais confuso se o leitor resolve dar uma escarafunchada na biografia do escritor e descobre que, assim como o personagem do livro, o autor é um boêmio que se considera injustiçado e maldito. Borges, o grande escritor argentino, também sofreu desse mal. Claro, o escritor tem uma obra fantástica, inclusive com incursões pela literatura policial, mas o grosso de sua literatura tem nos livros o assunto principal. Borges era um tarado por livros, escritores e bibliotecas, e revelou todo esse amor em seus contos, mas, ao fazer isso, restringiu sua obra a pessoas como ele. A literatura é fascinante e um tema inesgotável, mas que também parece ter se transformado em uma muleta para alguns escritores, que só conseguem escrever sobre seus umbigos. Não que eu queira insinuar que Borges e Vila-Matas sejam dois gênios preguiçosos, mas a opção por uma literatura autorreferente pode sugerir, a mentes pouco privilegiadas como a minha, que esses autores estão, em uma escala imaginativa, abaixo de autores que não caíram na tentação de transpor sua experiência literária a uma obra de ficção. Posso estar escrevendo uma grande bobagem, pois deve haver muitos romances brilhantes sobre escritores e livros, talvez até mais do que romances sobre pescadores, alfaiates e fumantes. Mas deve ser sempre mais instigante - e difícil? - para um autor criar algo interessante na pele de um pescador, alfaiate ou fumante do que na de um escritor. Claro, ainda posso estar falando bobagem, mas talvez porque eu mesmo esteja farto de me deparar com personagens que são escritores, professores universitários e críticos. É sempre um tédio, por mais que eu saiba que estou diante de um grande livro. Para mim, literatura sempre foi uma espécie de versão mais bacana da vida, porque, de certo modo, podemos controlá-la, apesar de seu caráter eminentemente libertário. Mas na literatura pode-se tudo, ou quase. Aquele velho chavão da viagem sem destino pelas páginas de um livro, é bastante verdadeiro para mim. Então porque se fixar em um assunto que se basta em si mesmo? Eis a questão. Luiz Rebinski Junior |
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