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Quinta-feira, 10/1/2002
Ator: embalagem e conteúdo
Rennata Airoldi

Houve um tempo em que ser ator era ter uma profissão pouco louvável. Atriz era o mesmo que meretriz. Com o passar dos anos, o ator adquiriu uma posição de destaque na sociedade. As vozes das rádio-novelas, a imagem do cinema, a voz e o corpo transmitidos através televisão. Assim, o ator passou a ser considerado quase membro da família ou pelo menos, um velho conhecido. Os dramas de seus personagens ganham aos poucos a empatia ou antipatia do público.

Assim o ator virou modelo de beleza e objeto de desejo. A partir daí, tudo mudou muito...Ser ator passou a ser um bom negócio pelo ponto de vista do mundo mágico e glamouroso dos programas e das revistas de fofoca. Afinal , quem não quer ser desejado e admirado por todos? Mas a realidade é bem diferente. Não há um único estudante de teatro que não tenha escutado ao menos uma vez: “Ah, você é ator, mas o que você faz?”, ou ainda: “Que bonito, quando vou te ver na televisão?”

A luta diária do ator é muito árdua. Embora a maioria das pessoas desconheça, é preciso muito estudo e dedicação para se formar ator . E embora difícil de acreditar, a profissão é regulamentada sim. É que infelizmente, não podemos dizer que sem um diploma um ator não pisa num palco, não grava uma novela, como um médico que não faz uma cirurgia sem ter o seu CRM. Alguém que se considera ator, mesmo sem o seu DRT (nome dado ao registro profissional no ministério do trabalho), pode em muitos casos exercer a profissão. Seria isso considerado charlatanismo?

O famoso DRT é uma história bem confusa. Certa vez, estava em uma emissora para realizar um trabalho quando um suposto “modelo- ator” me surpreendeu com uma pergunta: “Onde você descolou aquele tal de DRT?”. Pausa. Fiquei chocada...Como assim, onde “descolei”??? Eu fiz uma faculdade, peguei o meu diploma e meu registro profissional. Ou seja, é tão fácil “ser” ator que as vezes têm-se a impressão de que o registro profissional é como um encarte de revista, vendido em qualquer esquina.

Enquanto não existir um sindicato sério, enquanto as emissoras obtiverem o DRT para quem eles elegerem como novo galã ou musa da temporada, não haverá como regularizar a situação do profissional. E corremos o risco de nos depararmos com sujeitos como o da história acima. Neste caso, pude tentar esclarecer alguns pontos embora não o tenha convencido da necessidade do estudo para a profissão.

Estes “sujeitos- equivocados” é que poluem o mercado de trabalho, denigrem a imagem do ator e pior que isso, ocupam o lugar de profissionais competentes que por falta de trabalho acabam fazendo bicos em restaurantes, bares, lojas. Mas essa luta diária, não é a vida descrita pela mídia em todos os meios. A propaganda é enganosa...Festas, carros, casas, homens, mulheres, dinheiro, fama.

É isso que seduz as pessoas que, ao invés de estudar e conhecer o ofício do ator, vão atrás da imagem deturpada da profissão. Vão atrás de cursos de fim-de-semana, de festas, de programas de TV, de revistas pornográficas. Com a “embalagem padrão” homens e mulheres viram estrelas de um dia para o outro. E sem perceberem, são fabricados em série e substituídos a cada temporada.

Na verdade, muitas vezes as embalagens são descartáveis mas o conteúdo não. Assim, o bom profissional um dia há de prevalecer! É preciso que o bom ator tenha espaço não só nos palcos, mas nas telas, nos cinemas. É preciso oferecer opção de qualidade para o telespectador. O bom profissional tem que ter espaço para mostrar seu trabalho, sua pesquisa. São poucas as chances mas aos poucos, elas vão aparecendo. O que não devemos é deixar de criticar e lutar por mais espaço, por tudo que é bom. Só em nossa cidade, são inúmeros as grupos que há anos sobrevivem pesquisando diferentes linguagens e o trabalho do ator. Mas falta divulgar este trabalho e dar condições para que ele cresça e chegue até o grande público. É preciso tornar a arte um negócio lucrativo, para ser incentivada, sem ser depreciativo ou apelativo. Ao ator, falta seriedade e respeito para que o bom profissional possa viver de seu trabalho.

Rennata Airoldi
São Paulo, 10/1/2002

 

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