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Sexta-feira, 1/2/2013 A literatura infanto-juvenil que vem de longe Marcelo Spalding O livro sobre o qual escreverei hoje é um dos mais delicados, bonitos e profundos textos de literatura infanto-juvenil que já conheci. Por seus méritos literários e humanísticos (que talvez sejam os mais importantes), deveria figurar na lista de compra do MEC, entre os finalistas dos grandes prêmios, nas vitrines das livrarias. Não vai. Possivelmente (e isso é triste como o final da história) terá poucos e encantados leitores, alguns elogios, como este, na internet, mas não conseguirá emergir da enxurrada de textos juvenis publicados. Comecemos, então, por aí. A menina que veio de longe (2012, 82 p.) é o livro de estreia da contadora de histórias Andréa Ilha, professora da rede municipal de Caxias do Sul e moradora de Farroupilha, RS. Num tempo em que livros e mais livros são escritos para vender e distrair, distrair e vender, com histórias repletas de aventura e divertimento, A menina que veio de longe é um livro que faz pensar. Não que as palavras sejam difíceis; os temas é que o são. Difíceis - e complexos - como a vida. Mas não é por isso que A menina que veio de longe não chegará aos tantos leitores que o amariam. E nem pela ausência de ilustrações internas, num mercado sedento por livros para serem vistos, não para serem lidos. O livro não vai ter o destaque merecido porque Andréa é uma escritora iniciante aqui no canto do Brasil; porque Andréa não faz salamaleques para a imprensa e não assina coluna em jornal; porque Andréa é professora municipal como tantas e trabalha muito; não é modelo, atriz, filha de famoso ou ex-BBB. E, talvez o mais decisivo, por tudo isso o livro foi lançado pela própria autora e não traz em sua capa um selo capaz de negociar com as livrarias, com o governo ou com os prêmios literários. Sim, leitores, infelizmente em muito prêmios escolhe-se o livro sem ir além das capas (o festejado Portugal Telecom posso dizer que é um deles). E o governo só faz as generosas compras para o MEC das editoras por ele cadastradas (que além de não serem muitas, concentram-se sobremaneira no eixo Rio-SP). Mas aquele que abrir a capa e buscar o texto de Andréa Ilha terá uma das maiores e melhores surpresas que se pode ter no mundo literário: descobrir uma grande história. A história começa fiel ao título, com a narradora saindo da cidade em que nasceu e vindo para Porto Alegre, cidade da família da mãe. A menina, sabe-se já pela capa, e é dito no começo, é mulata. Mas eis um dos primeiros méritos do livro: isso é uma informação, não o tema da história. A menina é mulata como poderia ser loira ou ruiva. A mudança de cidade, aos poucos, se revela apenas a ponta do iceberg, consequência de problemas maiores, não causa. E a trama vai se tornando bem mais complexa. Logo no começo, depois de chegarem em Porto Alegre, os pais da menina Dulce partem para tentar a vida no Canadá, deixando a menina com muita saudade e sob cuidados da avó. O incrível é que, aos poucos, percebemos que esses pais não são exatamente os pais dos livros infanto-juvenis, sempre tão íntegros e amorosos e perfeitos. Não, os pais aqui somem, não têm tempo, têm medo, fraquezas. Os pais não são heróis, tampouco vilões. São personagens complexos como os pais de fora dos livros. Vejamos esse trecho em que um amigo de Dulce fala sobre sua família: "- Sabe o que é, Dulce? - o Vítor saiu falando, com o rosto cada vez mais vermelho, e a voz um pouco trêmula - É que eu fui abandonado pela minha mãe. Quando eu e os meus irmãos, quando a gente era bem pequeno. A mãe conheceu um outro cara e foi embora com ele. Eu até me lembro de ter visto ela saindo com ele, indo embora no carro dele. Eu chorei muito, mas sempre fiquei esperando que ela ia voltar de novo. Mas ela não voltou. E ficamos só com o pai. Mas o pai trabalha tanto, tanto, que quase a gente não vê ele. É muito chato, e eu fico triste com isso, tem dias que eu chego até a ter saudade dele." Marcelo Spalding |
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