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Quarta-feira, 6/3/2013 Mino Carta e a 'imbecilização do Brasil' Humberto Pereira da Silva 1. O jornalista Mino Carta, dono da revista Carta Capital, publicou editorial, com ampla divulgação na web, no qual apresenta diagnóstico negativo acerca do momento atual da cultura no Brasil. "A imbecilização do Brasil" começa com a afirmação de que há muito nossas letras não produzem grandes escritores, há muito não temos grandes historiadores, jornalistas, repórteres ou pintores de relevância. Para ele, causa encanto e surpresa o lançamento do filme O Som ao Redor, de Kleber Mendonça, um oásis no deserto cultural em que nos encontramos. 2. O editorial conclui com a afirmação de que a situação a que chegamos tem largas explicações e, dentre essas, destaca a lassidão dos que poderiam resistir. O diagnóstico apresentado por Carta gerou mensagens de apoio, concordâncias, o sentimento de que ele toca num ponto incômodo, que muitos preferem esconder por meio de uma cortina de fumaça. Do mesmo modo - e não podia ser diferente - suas afirmações geraram desconfortos, acusações de elitismo cultural; enfim, as mais variadas discordâncias. Entre estas, Cynara Menezes, jornalista da própria Carta Capital, contesta a ideia de que houve "uma imbecilização do Brasil". Para ela, Carta se equivoca ao afirmar que vivemos "um deserto cultural". A questão diz respeito ao que se considera arte, a que tipo de arte se tem em vista. Nos termos que Cynara propõe, não há "deserto cultural" algum no país, pois há uma "nova cultura", uma cultura para a qual é preciso ter olhos para vê-la. Ou seja, na contramão do que Carta sustenta, para ela devemos, sim, reeducar o olhar e enxergar o que vem da periferia. O que Carta defende é uma arte produzida por uma elite que, esta sim, hoje não mais produz. Nesse sentido, para ela, a elite brasileira se imbecilizou e não o Brasil. 3. Sinto desapontar Cynara Menezes, mas ela não discorda, no sentido estrito, de Mino Carta (ou como ela, e muitos talvez, imagine discordar). O que ela defende é uma redefinição do que se deve entender por arte, que se repense a cena cultural nos dias de hoje pela inclusão de expressões artísticas que não tiveram espaço. Mais, ela entende que significativa parcela dos recentemente incluídos que produzem cultura não foi capaz ainda de formar uma geração com o peso da que Mino Carta reclama. Vale dizer, na medida em que busca uma nova definição de arte, ela escapa ao que é essencial ao texto de Carta - o deserto cultural do país -, e introduz uma nova palavra, "inclusão". Assim, ela se refere ao que hoje deve ser entendido por arte, a qual por sua vez incorpora o que no passado não gozava de legitimidade no editorial de Carta. Ocorre que Carta faz um diagnóstico que não tem a pretensão de uma discussão ontológica sobre arte - o que é isso a arte? Nesse diagnóstico, está subentendido o que usualmente se entende por arte. Se hoje dermos um novo sentido ao que é arte, isso não invalida o que Carta sustenta. E é curioso notar que a própria Cynara admite isso. A elite hoje não cria, diz Cynara, por isso, diz Carta, há um deserto cultural. A cultura que vem da periferia hoje não produziu uma geração de peso, diz Cynara, mas, digo eu, Carta não nega nem afirma que isso se dê, por isso, a partir do que ele disse Cynara não pode extrair, como ela o faz, que não há "deserto cultural". Melhor, ao admitir que a cultura atual carece de legitimidade, ela acaba por reafirmar a ideia de "deserto cultural" A confusão no texto dela tem a seguinte origem: mistura o diagnóstico de Carta - com o qual no fundo ela concorda - com um quadro atual de inclusão cultural e uma projeção otimista para o futuro. 4. No editorial da Carta Capital, subliminarmente, a ideia de ausência, hoje, de um clima favorável de recepção, debates e discussões no plano da cultura. Não se trata, pois, como Cynara supõe, de fazer um catálogo de artistas, escritores e poetas que realizaram obras nas décadas recentes, mas principalmente de chamar a atenção para a recepção, a ressonância, o impacto do que produziram. No editorial, ainda, a ideia de que num ambiente cultural diverso do de hoje, escrever um romance, uma peça teatral ou poesia, era um investimento a que alguns se lançavam. Com isso, o intuito de intervenção nos acontecimentos, a busca de interpretação do país, ou mesmo oferecer uma digressão intimista sobre a vida e o mundo. No fundo, para Mino Carta, a questão é: a produção artística e cultural se impõe, tem sentido, fôlego e se legitima na medida em que é discutida, debatida, posta em questão (não à toa, registra o inesperado com a recepção de O Som ao Redor). Nas décadas recentes, governadas pela lógica do mercado, pelo pragmatismo com relação ao lucro, perdeu-se a utopia, certo idealismo descompromissado que impulsionava um indivíduo a produzir uma obra simplesmente pela necessidade de se posicionar em relação ao seu tempo. A questão, portanto, não é, em sentido estrito, que não se faz "arte", mas tão somente que a arte que se faz não é posta em questão (bem entendido, nisso uma crítica embutida às futilidades e nonsenses de grupos de discussão na internet). Na visão de Mino Carta, grandes escritores se impuseram no passado porque legitimados num espaço favorável de recepção, porque estimulados a produzir num ambiente de efervescência cultural. Por isso, não é gratuito que, ao final de seu texto, ele exorte àqueles que estariam na posição de por a cultura em questão, mas não o fazem por lassidão. 5. Cynara Menezes defende a reeducação do olhar para a nova cultura no país. Cultura que não é criada pela elite, mas nos guetos, nas periferias, e que brota, nos termos dela, das vísceras. Creio que Cynara há de concordar que palavras como "reeducação" ou "inclusão" dependem de um clima favorável de recepção, de efervescência, de discussão, ou seja, que o que é feito e recebe o nome de arte seja posto em questão. Enquanto isso não ocorrer, o diagnóstico de Mino Carta sobre a "imbecilização do Brasil" não só é correto como o texto de Cynara fica sob a suspeita de otimismo ingênuo, para lembrar Humberto Pereira da Silva |
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