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Terça-feira, 16/4/2013 Contos em pianíssimo, de Patricia Maês Jardel Dias Cavalcanti O céu é meu é o primeiro livro de contos de Patricia Maês. Publicado pela editora Cubzac (2013), do Recife, a obra apresenta 15 contos da autora. Aproveito como chave teórica o termo musical pianíssimo, também título de um dos contos, para tentar empreender uma leitura do que acredito ser o tom geral da escrita da autora. No conto ao qual me refiro acima, uma jovem musicista, "modesta e simplesinha", disserta sobre a relação entre a capacidade de se tocar com sutileza e a "escola da vida" que é aprender a tocar um instrumento até se chegar à excelência de sua execução. Seria essa capacidade a verdadeira "prova dos nove" de um músico e o que lhe daria a arte de tornar uma música sublime. A jovem também diz perceber a relação entre essa capacidade comum a alguns solistas e um desdobramento desse sublime no dia a dia dessas pessoas. Ela cita um dos momentos dessa percepção: "Imagino meu solista com as mãos pousadas sobre a mesa, seus dedos em repouso, eles que têm tanta presteza e musculatura em prontidão. Então alguns raios de sol alcançam essa mão, iluminam o gesto parado até ele sentir o calor como um carinho e tirar o instante para reparar, admirar seu primeiro instrumento banhado de luz." No trecho acima creio estar definida a poética de Patricia Maês. A capacidade de correlacionar obra e vida, fazendo com que uma ilumine a outra. No caso da autora, entender que a literatura, por sua exigência de uma prática de observação atenta do processo da escrita e da observação profunda da vida comum, é uma escola que nos faz aprender a perceber de forma aguda o cotidiano mais banal, tornando-o, sob a luz da criação, sublime. E essa prática que cria a capacidade de se transformar algo trivial, supostamente simples, em algo sublime, é o que a escritora busca ao escrever os seus contos. Outro exemplo, ainda no mesmo conto, que nos dá a medida do que foi dito acima, é quando a autora cita a obra musical de Gabriel Fauré, especificamente Aprés un Rêve, para exemplificar a ideia de que "a excelência artística, imbuída de mágica, vira experiência quase religiosa", mesmo numa obra simples. E é essa experiência, que atinge primeiro o artista criador, que se transmitirá, consequentemente, ao espectador. Apesar da simplicidade da peça de Fauré, o modo de tocá-la pode torná-la sublime. Citando a autora: "Nessa peça tão simples, genialidade é simplesmente caprichar na dinâmica, e depois de tudo dito aqui sobre saber crescer e decrescer com elegância, nada nessa peça é tão simples". Como na literatura da própria Maês, que, ao localizar pequenos dramas humanos, faz incidir sobre eles um brilho (como o que eleva a música ao sublime), uma atenção delicada, que os conduz à condição de uma existência poética elevada. A ideia de elevar o banal à condição de obra de arte é o que persegue a autora, nos fazendo sentir nos seus personagens esse raio "de sol nos dedos" com "um espírito tão refinado e treinado para as sutilezas da vida", tal como foi percebido pelo solista. A vida agora é recriada numa dimensão semelhante a da criação literária, sem a qual estaria condenada ao vazio e a insignificância. Tal como a música, fonte de "experimentações sensoriais de todo tipo" pela personagem de Maês, a literatura é agora a nossa possibilidade fecunda de também fazer nossas experimentações. De uma forma geral, o que se nota na escrita de Maês é essa capacidade de ir ao encontro de algo aparentemente simples, dar vida e movimento a ele (num crescendo e diminuendo), de uma forma clara e sem a pretensão de se produzir uma escrita de molde existencialista (como em Clarice Lispector) ou que busque fazer da linguagem o único sentido da literatura (tal como muitas vezes se dá, por exemplo, em escritores cerebrais). Podemos tentar aproximar o sentido da música (que abre mão do conceito para atingir diretamente o ouvinte), com o caso dos contos, onde estamos próximos a isso, na busca por atingir os sentidos do leitor através do modo (no sentido musical, por que não?) da narrativa, do contar a história, em seu vai e vem, apresentando situações aparentemente simples, com um desfecho muitas vezes aberto, mas que guarda, como acontece com o solista, uma intensidade nas artimanhas da escrita. Como primeiro livro da autora, pode-se perceber o frescor de uma flor que ao amanhecer ensaia abrir-se num à vontade com a linguagem e que, esperamos, com certeza irá "mais além, mais além, mais além". Para ir além: Jardel Dias Cavalcanti |
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