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Quinta-feira, 11/4/2013 Reflexões de um desempregado Elisa Andrade Buzzo ilustra: Renato Lima Ai, o desempregado, este ser entre o alto e o baixo-astral que se encontra no limiar da economia, e vaga pela cidade em busca de consolo e oportunidades. Estado mais da alma que do corpo é estar desempregado: a dor de se sentir à parte da engrenagem capitalista é mais moral do que física; o tempo que dispõe para refletir o faz um crítico perigoso da ordem estabelecida das coisas. Em vez de ficar em casa e acordar tarde (o que todos os empregados sonham em fazer), o desempregado sai em peregrinação. Por isso, e mesmo por lhe ser possível, ele procura os horários fora de pico para dar as caras, pegar ônibus, metrô. Ao ver que há muitos outros lhe fazendo companhia, pensa, "esses também não tem o que fazer?" Mas é incrível, uma pesquisa demonstra que um desempregado tem muito, muito o que fazer, o dia nunca é inteiro para tantas atividade com as quais se compromete. E cogita ainda o pensador, "como eu arranjava tempo, antes, para trabalhar, com tantas coisas para fazer?" Todas as necessidades são urgentes para um desempregado. Lá está ele em busca de seus benefícios. Passa pela Sé e não se reconhece naqueles tantos homens de vida perdida. Daí, toma o rumo para a Barra Funda e a Marechal, pois a linha vermelha do metrô é o lugar de encontro por excelência dos desempregados. Na Marechal, uma vitória, o status de desempregado lhe proporciona três meses de viagens gratuitas pelo metrô de São Paulo. Mal ele sabe que este vaivém infrutífero lhe trará o desejo intenso de ir e vir pela patronagem cerceado. Enquanto na Barra Funda o ambiente é inóspito, demovido de cores - não há nada que acalme e favoreça psicologicamente o desempregado -, lá, porém, ele é muito bem atendido. O rapaz do atendimento é prestativo e comunicativo e, em pouco mais de meia hora, o desempregado sai com a promessa aos justos de receber dali a um mês a primeira parcela do seguro-desemprego. Entretanto, por mais que ganhe alguma coisa, ele tem as costas rebaixadas pelo fracasso diário, por carência de CLT. Nem que tenha saído "por cima", ver alguém empregado, ao contrário do que poderia ser, dá uma sensação de inveja que, naturalmente deveria ser passageira diante do jardim de delícias que o desemprego descortina pela frente. Então, ele sonha, e muito, e alto; sonha que seu próximo emprego alcançará a ilusória esfera da perfeição, certamente este será melhor do que o anterior, cheio de defeitos, e as inúmeras viagens de metrô que fizer lhe levará rumo ao êxtase profissional. Não lhe importará "agregar", nem "subir" ou "escalar", verbos tão machucados na boca de gente de ambições espúrias. O que mais irá lhe seduzir será o hediondo caminho diário, o transporte cheio, almadiçoado, mas que lhe dará a sensação clara de pertencimento, de peça oscilante ao sabor da cidade. Ai, o desempregado, este ser de mil desejos, profundos e vagabundos. Elisa Andrade Buzzo |
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