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Quinta-feira, 23/5/2013 Clube de leitura da Livraria Zaccara: um ano! Eugenia Zerbini De Ema a Ezther, o clube de leitura da livraria Zaccara finaliza um ciclo, completando neste mês um ano. Durante esse período, na livraria mais charmosa de Perdizes (quem sabe, de São Paulo), os participantes reuniram-se mensalmente para trocar ideias sobre os livros que leram. Compartilharam opiniões, interpretações, gostos e desgostos. Falaram muito das letras, porém falaram um pouco de si. Uma vez que uma das funções da literatura é trazer o humano mais para perto do homem, falar sobre livros, por mais impessoal que pareça, é também falar um pouco de si. Meio caminho entre a sofisticação dos salões franceses, comuns entre os aristocratas nos séculos XVIII e XIX, e do modelo "o livro do mês" do clube de leitura da apresentadora norte-americana Oprah Winfrey lançado nos Estados Unidos, em 1996, os clubes de leitura disseminaram-se. Sob inspiração certamente do filme O clube de Leitura Jane Austen (2007) e do livro A sociedade literária e a torta de batata, de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows (2008), viraram tendência até no Brasil. Na base, há um divisor comum: a reunião de leitores em torno da leitura de determinado livro, com encontros mediados por um terceiro. Fora disso, muitas variantes podem ocorrer. Há grupos virtuais, abertos ou não. Nos presenciais, há aqueles fechados, em que a mediação às vezes é feita por alguém de destaque no mundo literário. Esse é o caso dos grupos organizados em torno da escritora Rachel Jardim, no Rio de Janeiro. Por mais de uma década, a autora de Os anos 40 (esgotado), é o centro de pequenos grupos que se dedicam à leitura dos oito volumes do Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Há um ano, foi criado um grupo dedicado à leitura da obra de Thomas Mann. Existem, por outro lado, grupos menos formais, em que amigos marcam encontros mensais ou até semanais, em cafés ou nas respectivas casas. Nesse último caso, o encontro pode ser seguido por comidas e bebidas, quem sabe até relacionadas ao texto lido. Nesse último gênero, há clubes que encomendam seus próprios marcadores de livros e distribuem cadernetas personalizadas para os participantes. Em todo esse conjunto, há clubes cuja frequência é gratuita, outros em que há uma contribuição mensal. Com bem menos sofisticação, há os grupos de leitura cuja formação é incentivada pelo Plano Nacional do Livro e Leitura. Em setembro de 2010, a editora Penguin Companhia das Letras promoveu seu primeiro clube de leitura, na Livraria Cultura, do Conjunto Nacional (SP). Três anos depois, espalhados em 11 cidades do Brasil, estão em funcionamento 41 clubes, fomentados por essa editora. Aquele da livraria Zaccara encaixa-se nesse contexto. Partindo de Flaubert (1821-1880), com Madame Bovary, até chegar em O legado de Ezther, de Sándor Márai (1900-1989), personagens mencionadas logo no início, mundos inteiros desfilaram sob os olhos de seus integrantes. Das ruas e cafés de Madrid, onde histórias de amor e seus enganos são tratados em Os Enamoramentos, de Javier Marías , até Moçambique, onde Mia Couto coloca uma leoa a fazer suas confissões (A confissão da leoa). Da culpa que um jovem soldado arrasta pela vida, em O Pacifista, de John Boyne, até a história de dois professores de literatura, retratados em situações bastante distintas, criações respectivamente de J.M. Coeetze e Philip Roth: David Lurie, de Desonra, e David Kepesh, de O Professor do Desejo. Tudo isso sem mencionar o reencontro de dois amigos de outrora para um derradeiro duelo verbal, em As brasas, de Sándor Márai. Mas foi outro livro de autoria desse autor húngaro que foi o escolhido para concluir esse primeiro ciclo anual: O legado de Ezther, o livro do mês de maio. O legado de Ezther foi publicado na Hungria no final da década de 1930, época em que o autor gozava de grande prestígio em seu pais. É um livro nostálgico, como a nostalgia que deve ter acompanhado o autor após sua saída da Hungria, com a ascensão dos comunistas ao poder, depois da 2ª Guerra Mundial. Sándor Márai , um aristocrata, nascido à época em que a Hungria fazia parte do Império Austro-Hungaro, ainda rapaz, foi estudar na Alemanha. Eram os anos loucos da República de Weimar. Ali, dá início a seus trabalhos jornalísticos, casa-se e parte para Paris. Torna-se correspondente de um jornal alemão, começando profícua produção cultural: além de jornalista, é crítico e tradutor. Almeja, contudo, tornar-se escritor, optando por escrever em sua língua materna, o húngaro: língua, segundo Guimarães Rosa, para se falar com o Diabo (notando que o alemão era a língua oficial daquele Império que se esfacelou com a Iª Guerra Mundial). Em 1928 volta, portanto, para a Hungria e dois anos mais tarde publica Rebeldes. Este é seguido por outros sucessos, Confissões de um burguês (1934); Divorcio em Buda (1935); o próprio O legado de Ezther (1939); e o já citado As Brasas (1942). Homem de convicção, contrário aos regimes totalitaristas (foi antinazista - sua mulher era de origem judia - e anticomunista) Sándor Márai viveu 41 anos no exílio. Depois da 2ª Guerra, com o domínio soviético em seu país natal, Márai parte, fixando-se nos Estados Unidos. Seus livros são proibidos na Hungria. Na classificação do critico literário marxista Georg Luckács, amostras típicas da literatura burguesa e decadente. Como relatado por Paulo Schiller, tradutor da obra de Márai direto do húngaro, em palestrada sobre o autor na Livraria Cultura, em 2012, o escritor sobreviveu dos direitos autorais pagos por uma editora no Canadá especializada em livros em húngaro, vendidos para a comunidade húngara fora da Hungria. Feria o autor o fato de saber que era ignorado em sua pátria, não mais o sucesso que um dia fora. Em 1986, Sandor Marai perde a mulher para o câncer; no ano seguinte, é Janos, seu filho, que morre. Isolado, criticando a sociedade de consumo norte-americana (como evidenciado pelas anotações em seu diário), coloca fim à vida em fevereiro de 1989. Em outubro daquele mesmo ano, cai o regime comunista na Hungria. Em 1990 é premiado postumamente com a maior honra literária na Hungria e é redescoberto, não apenas em seu país, mas principalmente no mundo, através da tradução para o francês de As brasas, seguida tanto pela tradução em outros idiomas como de outras obras, inclusive seu diário. Hoje, Sándor Márai é considerado um dos grandes no panorama literário do século XX, apesar de suas obras girarem em torno de dilemas éticos e morais que podem parecer pouco palatáveis para as novas gerações, acostumadas à banalização e à relativização pós-moderna. As reuniões do clube de leitura Penguin Companhia das Letras na Livraria Zaccara tem lugar na segunda segunda-feira de todo mês, das 19:00 às 20 horas. O livro escolhido para ser discutido na reunião do mês de junho é O acidente, do albanês Ismail Kadaré. Informações, escreva para [email protected]. Eugenia Zerbini |
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