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Quarta-feira, 29/5/2013 Twitter: A Crítica Como Vocação Regina Lacerda Em 2013, segundo projeção do Ibope, 2 bilhões de pessoas no mundo inteiro estarão conectadas à internet. Em dezembro de 2012 éramos 94,2 milhões de brasileiros internautas, sendo que desses 38% acessam a rede mundial diariamente, de acordo com o mesmo levantamento. A internet é, sem dúvida, o território de maior liberdade de circulação das notícias, ideias, opiniões. Esse livre fluxo de informações trocadas diretamente entre as diversas fontes é tanto instantâneo e vultoso quanto veloz. As redes sociais são as principais vitrines humanas da era digital. Quem as frequenta, ou a uma delas, quer ver, mas, sobretudo, quer ser visto, ainda que restrinja de algum modo escolhendo quem pode visualizar sua atividade. A maioria dos seus usuários, portanto, pretende adquirir visibilidade sobre si, e claro, almeja conquistar a admiração dos demais de forma a ser esta uma das principais razões e também consequências de sua exposição. Ninguém se expõe por excesso de timidez ou por excesso de modéstia. Então, por que não dizer, há no ambiente das redes sociais o componente "vaidade", tal como é intrínseco ao ser humano, qualquer que seja sua proporção conforme as características de cada um. O que no ambiente virtual extrapola os limites da civilidade que encontramos na vida social, é a vocação para a detração. Ainda não se pode precisar os motivos pelos quais o universo das redes sociais tende, em primeiro lugar, à crítica. Em se tratando do Twitter, então, a obrigatória objetividade de pensamento e síntese exigidas pelos seus 140 caracteres, torna-o um terreno profícuo para o embate. Ou, ataque. Passando das reclamações do consumidor, pelas sátiras bem-humoradas, por manifestações sistemáticas em desfavor de algo ou alguém até os registros contumazes de ódio, o internauta vai à internet para se posicionar criticamente. A palavra do nosso vocabulário coloquial que sintetiza essa tendência é "bronca". O internauta põe em prática, no Twitter como em nenhum outro lugar, a crença em seu sagrado direito de colocar, trocadilho em riste, "a bronca no trombone". Há casos emblemáticos de perpetradores e vítimas desses ataques, sejam eles do mundo das celebridades, da política ou ilustres desconhecidos. Um dos mais pródigos envolvendo celebridades é o do comediante e apresentador de TV Rafinha Bastos com a cantora Wanessa Camargo. Rafinha declarou, meio a um comentário sobre a gravidez da cantora "Eu comeria ela e o bebê". Imediatamente "ganhou" as redes sociais, foi execrado pelo público, sofreu um processo judicial e perdeu o emprego no programa "CQC". No Twitter, foi alvo de adjetivações pejorativas de toda sorte, até mesmo mais graves, sob o aspecto da qualificação jurídica, da frase proferida por ele e tipificada como ofensiva, segundo decisão judicial. Em meados de janeiro desse ano, o episódio em que um motorista a serviço da Rede Globo sofreu infarto e morreu após supostamente ter sido destratado pela atriz Zezé Polessa foi um dos assuntos mais comentados no Twitter. O nome da atriz foi parar nos Trending Topics mundiais com a repercussão negativa à notícia de que ela teria gritado com o motorista por que este errara o caminho. Isso tudo, muito antes de qualquer declaração dela ou de possíveis testemunhas. Dentre os "ilustres desconhecidos", também em janeiro ocorreu um episódio que, ao contrário dos anteriores, nasceu no Twitter e ganhou a vida real: o então delegado titular da 9ª DP (Catete) da cidade do Rio de Janeiro, Pedro Paulo Pontes Pinho, conhecido na rede como @Delegado_Pinho, postou um comentário apontando, em seu entender, que a estabilidade no emprego seria uma das causas da má qualidade do serviço público. A seguir, exemplificou seu raciocínio citando casos de sua própria equipe, incluindo mulheres. De imediato, foi acusado de machista. A reação na rede contra o delegado ultrapassou, conforme observado, as fronteiras da internet, aportou no noticiário das revistas, jornais e TVs e atingiu sua carreira: Pinho sofreu uma série de sanções administrativas por parte dos seus superiores. Na seara política a tendência crítica do Twitter não fica atrás de nenhuma outra. Dentre um sem-número de situações, um caso recente exemplifica bem. Em fevereiro, o PT organizou uma série de eventos para comemorar os 10 anos do partido na Presidência da República, incluindo evidentemente ações online, festivas, executadas pelos militantes virtuais e simpatizantes. Sem ter sido organizado por qualquer outro partido ou grupo, os internautas reagiram criticamente com a hastag #citeumacagadadoPT que, ao contrário da ação propositiva daquele, entrou para os Trending Topics e lá permaneceu por quase 24 horas. Chama atenção, conforme mencionado, que a rápida adesão e o volume muito superior da reação crítica foram espontaneamente viralizados, revertendo o quadro da comemoração festiva que era o intento do PT, dono de um conhecido, aguerrido e organizado exército combatente nas trincheiras da internet. Fato é que a vocação detratora da web é como rastilho de pólvora. Uma faísca é o suficiente para tocar fogo e muito rapidamente incinerar tudo à sua volta: a adesão a ela é imediata. O cantor Lobão registrou de forma contundente, em entrevista a Marcelo Tas, sua impressão sobre essa tendência - para ele é uma necessidade - de se criticar a tudo e a todos, o tempo todo, na internet. "No reino das redes sociais, a primeira palavra que me vem à cabeça é ofensa", sentencia o Lobão. Evidentemente, o exercício da crítica tem dois lados. Um, motivado pela chamada "consciência", é aquele construído sob a análise, a perspicácia e externada geralmente com sustentação de ideias em oposição ao que se critica. Quem dessa forma critica os outros trabalha em prol do seu próprio aprimoramento intelectual e de suas atitudes. Portanto, aquele que tem a inclinação e o hábito de submeter a conduta dos outros e também as suas ações e omissões a uma atenta e severa crítica, contribui para o aperfeiçoamento de uma ideia, da sociedade e do seu próprio aperfeiçoamento. Este o faz justamente por possuir o suficiente de noções de justiça, ou de orgulho e vaidade, para evitar, em si, o que amiúde censura com tanto rigor no que vê - e acusa - em terceiros. Por outro lado há a crítica pela crítica. É essa que comumente descamba para a ofensa gratuita, apressada, inconsequente, que pode chegar às raias da Justiça. É muito mais simples e fácil engrossar a cantilena de acusações e até mesmo ofensas, porque elas prescindem de embasamento técnico, teórico, ao passo em que, para um debate, há que se ter um determinado nível de conhecimento correlato ao que se critica ou combate. Acima da necessidade de desabafo indignado contra determinada situação ou personalidade, além do livre exercício da vaidade em chamar atenção para si de alguma forma, também surge outro fator, de ordem prática, a colaborar para esse universo retratado de detração sistemática: a vida virtual não é de todo dissociada da vida real. Antes, a web é um espelho da sociedade. Recentemente o país sofreu transformações na sua estratificação socioeconômica, com a criação da chamada "nova classe média", a Classe C, alçada ao mercado consumidor pela facilidade de acesso ao crédito, e mais que disposta a consumir de tudo. De uma forma geral, é um público que não possui, historicamente, uma formação intelectual, uma "bagagem" de conhecimento aprofundado na maioria das questões, e é hoje quem aumenta as estatísticas de acesso à internet. Sua inclusão é extremamente positiva. Não se pode negar, entretanto, que a disposição e a consistência para proposição de ideias a partir do questionamento de outras necessita de acesso à informação, formação e, principalmente, do hábito de adquiri-los pela leitura. Os livros são a fonte de sustentação do conhecimento da humanidade desde os tempos do papiro, passando por Gutemberg até chegar aos e-books. Posicionar-se criticamente, ainda que de maneira superficial, é uma forma desse público mostrar-se "antenado". Assim como nos movimentamos naturalmente sob o peso do nosso corpo sem o perceber, mas sentimos inexoravelmente o peso de qualquer outro que nos propomos a mover, assim também não costumamos notar nossos vícios diários nem os defeitos, ambos passíveis de críticas de terceiros. Mas estamos prontos para perceber e armados para apontar os que enxergamos - tendo ou não razão - nos outros. É um dado da natureza, como afirmar corretamente o dia da semana. Quem está do outro lado pode, caso queira, tratar essa questão, o que remete às estratégias de atuação na rede - tema para outro artigo. Em se tratando da efemeridade, da rapidez da troca de informações do mundo virtual, não sendo uma queixa do consumidor que tende a ser resolvida pelo fornecedor, a detração exagerada e gratuita tem visibilidade momentânea, e empresta "fama" efêmera, ilusória, a quem escolhe este caminho para ser visto. Na plataforma www assim como na vida nada é mais durável do que ser capaz de criticar sem ofender. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado na revista DDBR. Regina Lacerda |
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