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Segunda-feira, 21/1/2002
Memória Visual dos Aborígenes Australianos
Pedro Paulo Rocha

Há longo tempo trava-se um ferrenho debate, altamente politizado, entre os defensores dos fatores genéticos e os dos fatores culturais (nurture) que englobam educação e nutrição, nas características humanas.

Em 1933, quando Hitler assumiu o poder, a maioria das escolas de medicina alemãs tinha cursos específicos de eugenia, que defendiam a superioridade ariana. A radicalização gerou a criação de campos de extermínio, e levou a morte milhões de inocentes, considerados como inferiores, nas câmaras de gás.

Com o julgamento de Nuremberg a idéia de diferenças genéticas entre indivíduos ou entre grupos étnicos faleceu. Nenhuma voz discrepante se erguia, sob o risco de ser imediatamente rotulada nazista. As teorias sobre a correlação do desempenho e do comportamento com a hereditariedade deixaram de ter defensores.

Após a II Guerra, os testes desenvolvidos para avaliação de inteligência e personalidade, embora sem evidências de que se destinassem a promover discriminação, se tornaram alvo de ataques cerrados, de natureza política, que se avolumaram na década de 60. A situação chegou a tal ponto que, “em 1971, o psicólogo americano Richard Herrnstein, professor de Harvard, quase foi linchado no campus daquela universidade”. Isto não obstante ser considerado um cientista respeitável e ter feito essa afirmação em uma universidade tida como um centro modelar de cultura. Ele tivera a ousadia de invadir esta área proibida com um artigo publicado no Atlantic Monthly, em que não fez qualquer alusão à raça. Apenas registrara o caráter hereditário da inteligência, sustentando que “ela é determinada mais pela influência da biologia do que do ambiente e que as bases genéticas eram determinantes no desempenho que uma pessoa iria ter durante a sua vida”.

A própria Justiça entrou na questão, através de decisões históricas. Em 1971, a Suprema Corte dos EUA proibiu o emprego de testes padronizados para admissão em empregos, afirmando que “estes constituíam uma barreira a grupos minoritários”.

O movimento legal contra os testes atingiu o apogeu em 1978, com a decisão do Juiz Robert Peckham, de São Francisco, que declarou inconstitucional o uso de testes para classificar ou selecionar alunos, porque “estes testes acarretavam a separação de um número desproporcional de crianças negras”.

Esta situação criou um descrédito a toda a qualquer pesquisa que aponte a influência de fatores genéticos no desempenho individual.

Contudo, pesquisas recentes, procedidas na Austrália, demonstram que os fatores étnicos podem ter influência em pelo menos alguns aspectos da inteligência humana. Elas comprovaram que os aborígenes dispõem de uma surpreendente memória, muito superior à da população, em geral. Estas pesquisas sugerem que parte do cérebro deles é 25 % maior que a de um europeu. Porém a comunidade acadêmica se recusa a considerar tal fato, com receio de ser taxada de racista, segundo reportagem de Alasdair Palmer publicada em 19 de novembro de 2.000 no Sunday, de Londres.

A questão começou a ser levantada a partir de Sherilee, uma menina australiana com oito anos de idade, adotada por uma família australiana, cujo desempenho colegial surpreendeu a todos. Ela se parece com qualquer outra aluna de sua idade, mas sua assombrosa memória visual nos proporciona a oportunidade de abordar um dos problemas mais controversos da ciência: a relação entre genes e inteligência.

A questão de quanto do poder de nosso cérebro é determinado pelo que nós herdamos de nossos pais e quanto é resultado da educação e aprendizado, parece fascinar e amedrontar todos – inclusive os cientistas.

Não é só a Constituição americana que é baseada na convicção que nós todos somos iguais. Praticamente todas as políticas contemporâneas estão fundamentadas na idéia de que as diferenças entre indivíduos são estabelecidas pelas diferenças educacionais e do meio ambiente. A idéia de que existam diferenças inerentes, não só entre indivíduos mas entre raças, é fortemente rejeitada e não considerada “politicamente correta”.

Porém, há evidências de que, sem dúvida, certos grupos de pessoas podem ter uma capacidade mental superior, em pelo menos alguns aspectos, a todos outros - e isto é confirmado por Sherilee, uma menina de oito anos.

Sherilee tem uma memória visual incrivelmente precisa. Em testes desenvolvidos para medir quanto os indivíduos conseguem se lembrar do que viram, ela atinge o incrível patamar de 100 %. A única pista para a causa da sua notável habilidade é sua raça: ela é uma aborígine e os aborígines têm uma habilidade comprovada, que excede a de outros grupos étnicos, para se lembrar do local exato da localização de objetos. Eles podem encontrar o caminho através de desertos, conseguem localizar poços de água e tocas de animais com uma precisão espantosa. Alcançam, também, resultados aproximadamente 50% superiores aos caucasianos, por exemplo, em testes de memória visual.

Qual o segredo dos aborígines? Para alguns psicólogos evolutivos, a resposta é relativamente simples. Os aborígines são, há aproximadamente 4.000 gerações ou 80,000 anos, caçadores, nos desertos da Austrália. Isso é tempo suficiente para que a seleção natural tenha atuado no sentido de aumentar suas memórias, porque aqueles que não pudessem se localizar no deserto ou encontrar um poço de água passariam fome ou morreriam. Na competição para permanecerem vivos, sem dúvida, uma memória precisa era indispensável. Não seriam os atuais aborígines herdeiros deste processo? Especula-se que, certamente, esta extraordinária memória visual é o resultado de genes selecionados durante milhares de anos, pelo processo evolutivo descrito por Darwin.

Clive Harper, professor de patologia em Sydney, acredita que possa ter descoberto uma evidência que é bem mais do que apenas uma mera consideração teórica. Ele constatou que o córtex visual - a parte do cérebro usado no processamento e interpretação da informações – é aproximadamente 25 % maior nos aborígines do que em caucasianos. Ele também verificou que eles tinham muitos mais células nervosas nesta área. A constatação de uma diferença anatômica tão pronunciada é, certamente, resultado de fatores evolutivos.

Mas não é fácil provar que um maior número de células nervosas no córtex seja o segredo da memória excepcional que os aborígenes possuem, pois ainda pouco se conhece do mecanismo de memória do cérebro humano. Contudo, estas descobertas são bastante sugestivas.

Contudo, ser sugestivo não foi o bastante para que as conclusões do Prof Harper fossem aceitas sem contestação e publicadas em jornais acadêmicos. O trabalho que ele levou cinco anos para completar, foi considerado "racista". Os editores alegaram que isto poderia ser visto como alguma forma de discriminação.

A causa das objeções é simples: o medo de que diferenças genéticas entre habilidades mentais inerentes a grupos raciais diferentes, possam ter fundamentos eugênicos. Este receio é compreensível na luz da história do século passado, mas é atualmente descabido. Que cientistas, como Prof Harper, comprovem, cientificamente, que alguns grupos têm capacidades diferentes de outros não significa discriminação. Pode e deve conduzir à métodos de educação que espelhem melhor as habilidades de grupos diferentes e as explorem e desenvolvam, ajudando a reduzir - em vez de reforçar - os resultados dispares dentro do sistema de ensino.

A preocupação de que a mera menção de diferenças raciais em capacidades quaisquer seja racista implica em que muitos cientistas sejam obrigados a negar evidências de que habilidades físicas ou mentais tenham sido moldadas através de evolução, em lugar de investigar tal fato e suas implicações. Contudo, apesar das barreiras encontradas, muitos geneticistas ainda continuam pesquisando, sem muito alarde, os fatores envolvidos na inteligência. Robert Plomin e Peter McGuffin, do Instituto de Psiquiatria de Londres, estão tentando identificar os genes da inteligência e acreditam que possam estar localizados no cromosomo SEIS, que eles denominaram IGF 2R.

Enquanto isto, a crença de que todos nascemos iguais continua a salvo!

Pedro Paulo Rocha
Curitiba, 21/1/2002

 

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