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Segunda-feira, 15/7/2013
Os Livros que me Fizeram Mal na Infância
Lisandro Gaertner

Um dos rituais que mais me agrada no início do ano é a limpeza das estantes. Confiando na velha máxima "comprar mais livros do que consigo ler é crer na imortalidade", abarroto, todo ano, a minha pequena biblioteca com mais do que ela pode comportar. Com aquele livro que comprei pra falar mal, e nem li; com a biografia daquele sujeito com o qual fiquei obcecado por exatamente 34 horas; ou com os jogos e quadrinhos que readquiri numa tentativa infrutífera de reviver tempos que não passam mais. Acreditem, no final contas, somando aos livros que mereciam ser comprados, não é pouca coisa. Chega uma hora que todo esse suporte emocional de papel começa a causar um peso excessivo nas minhas finanças e na estrutura física da minha casa. Por isso, preventivamente, tiro das minhas estantes tudo aquilo que farei circular pelo mercado de usados. É quase como um cateterismo em que as obstruções das minhas veias de leitor vão parar na lanchonete da esquina para o prazer alheio.

O engraçado é que tem livros já lidos que sempre sobrevivem a essa limpeza. A maioria por utilidade de consulta, desejo de releitura ou simples valor afetivo. Alguns, especialmente alguns infantis, escapam há anos desse ritual por serem, além de tudo, simplesmente meus livros de formação. Ou melhor, má-formação.

Depois de começar a acompanhar o blog da Heliana sobre literatura infantil, comecei a ficar mais atento sobre o tema. O livro que damos para uma criança pode ter um grande impacto sobre quem ela se tornará no futuro. Hoje, acredito, o impacto é ainda maior. Na medida em que todos os outros tipos de mídia são usados à exaustão, e portanto se tornam menos significativos, o momento de leitura, introspectivo e tranquilo, realmente pode pesar ainda mais na formação do futuro adulto.

Mas a principal razão para ter essa impressão é realmente a minha experiência. Todo ano ao limpar a estante e manter nela os mesmos livros da minha infância, consigo ver com mais clareza em mim as características irritantes que eles me educaram a ter. É, acho que boa parte das minhas idiossincrasias e chatices que importunam tanto os outros, mas me deixam muito feliz, vieram desses livros.

A minha crise com autoridade e com a sociedade, por exemplo, vem claramente de A Grande Fuga. O livro, bem hippie, diga-se de passagem, conta a história de um grupo de Crocodilos que são levados quando filhotes para Nova York como bichos de estimação. Quando crescem, os donos os jogam pela privada. Ao invés de morrerem, como esperado, eles formam uma sociedade subterrânea que rouba o que os humanos jogam fora para realizar sua fuga de volta pra Flórida. Alguns dos momentos que sempre ficam na minha memória são a escola subterrânea montada com livros jogados no lixo, o golpe que eles dão no banco para pagar suas passagens e o "sequestro" do avião. Não sei se os editores da época sacaram isso mas A Grande Fuga é quase um manual para futuros revolucionários: educação campesina, expropriação revolucionária e sequestro de aeronaves para crianças de 4 a 7 anos.

Minha cabeça dura, o que realmente incomoda muita gente, vem de Eu sou Construtor. Nesse, um menino tenta construir com blocos um castelo que suba até os céus. É óbvio que ele é frustrado pela irmãzinha, que derruba a sua construção, e por sua própria falta de habilidade, mas nunca desiste. Ele sempre cogita as maneiras usuais de lidar com o fracasso, como chutar os blocos ou reclamar com a mãe, mas sempre prefere continuar. Inclusive o livro termina apenas com a determinação de construir sem responder à questão óbvia: "E aí? Ele conseguiu?". Na verdade, não interessa, ele continuará tentando de qualquer maneira. Afinal, ele é construtor.

Dos nacionais, um dos mais importantes, não só pra mim, mas pra todos que tem mais de 30 anos, é o Menino Maluquinho. Esse livro, é óbvio, lhe reforça a ser autêntico. Onde mais vão te dizer que é bonito ter o olho maior que a barriga, fogo no rabo, vento nos pés, macaquinhos no sotão e tudo mais que faça seu avô lhe chamar de Subversivo? Hoje em dia, quando boa parte das crianças é planejada para o sucesso e não amada, isso não faz muito sentido, mas essas espontaneidade e liberdade transgressoras estavam bastante em voga nos psicanalizados anos 80. Ficou com saudade? O Ziraldo te liberou o livro de graça.

Talvez seja tudo um exagero meu. Pode ser que esses livros tenham sido os guardados por ressoarem à minha personalidade, e não o contrário; mas é interessante notar que os dois primeiros livros estão fora de catálogo e o terceiro virou um pastiche de si mesmo. Ou seja, eles provavelmente eram retratos de uma época mais contestadora e, hoje, não se adequam à formação de nossos futuros pequenos executivos criadores de start ups da Geração Z. Triste mundo em que vivemos.

Esteja eu certo ou não, não custa ter extremo cuidado ao comprar livros para as crianças à sua volta. Eles podem determinar as piores características dos adultos que irão cuidar de vocês na sua velhice. O negócio é tão sério que dá até vontade de escrever as minhas próprias histórias infantis. Se deu certo com o Tolkien...

Ô, pretensão. Será que tem algum livro da minha infância que explique isso?

Nota do Editor:
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog de Lisandro Gaertner.

Lisandro Gaertner
São Paulo, 15/7/2013

 

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