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Segunda-feira, 2/9/2013
Gente Esquisita ou Miopia
Daniel Bushatsky

Ele ia para todos os lugares.

Ela cuidava dele com esmero. Todo o dia dava banho, limpava, colocava roupinha e, por fim, com cuidado, o pegava e colocava no banco do carro, bem amarradinho para ele não cair.

Ela era caprichosa, várias eram as roupas e acessórios comprados especialmente para ele. Às vezes, ele não gostava: achava meio brega ou meio afeminado, mas, por causa da sua idade, não tinha como reclamar.

Ela realmente gostava da companhia dele. Levava no trabalho, pois ele era indispensável. Nas viagens, para ele conhecer o mundo. Até no banheiro, pois ele podia se perder...

O lugar que ele mais gostava de ir era ao restaurante. Achava engraçado todas aquelas pessoas envolta de uma mesa, não conversando, somente dando carinho para ele e seus irmãos e primos. Era legal, também, pois vários restaurantes tinham parquinhos onde ele podia descansar e recarregar as energias.

Também nos restaurantes eram as conversas mais animadas e cada dia que passava ele ganhava mais um presente. Eram vários: Facebook, Instagram, e o mais animado, Whatsaap.

É verdade que às vezes ela reclamava que ele precisava de muito tempo para descansar. Também reclamava que os brinquedos não funcionavam como ela queria. Uma vez, viu um primo chinês ser espancado, mas ele nunca tinha apanhado dela! Era uma relação de amor!

Um dia eles foram viajar. Nova Iorque. No início, ela e as amigas se divertiram muito. E ele e os amigos também. Muitos restaurantes e muitos shows. Nossa, como aquele lugar era perfeito para ele! Quanta atenção ele recebia e quantos presentes!

Mas um dia as coisas mudaram.

Era domingo. Ensolarado. Elas foram a uma igreja de soul music, no Harlem. Tinha um nome longo: Kelly Temple Church of God in Christ. Logo que começou a reza e a cantoria, começou a conversa entre ele e os irmãos. Ele imaginou que seria mais uma dia super-animado!

A conversa estava tão acalorada que uma senhora chamou a atenção deles três vezes. Nunca isto tinha acontecido: eles estavam tão bem arrumados... foi quando a senhora se aproximou e mostrou o programa da igreja. Explicou os detalhes do serviço religioso e, então, apontou a última pagina.

Lá estava escrito: "Pontos para lembrar".

Ela ficou branca. Empalideceu. O que eu não quero esquecer? Não lembro da reza; não lembro da música; ai meu Deus, não lembro da decoração do restaurante de ontem.

Rapidamente pediu para ele as fotos de ontem. Ele não tinha, estava cansado no jantar. Pediu para as amigas. Elas não tinham, estavam no Facebook.

Mesmo naquela igreja com tanta animação (parecia filme), as pessoas tinham que parar e se concentrar para anotar os principais pontos, ou seja, sabiam que alguma coisa iria fugir. O que elas levariam daquele domingo ensolarado... Ela não conseguia levar nada!

Tentou anotar alguma coisa. Ela não tinha nada para marcar. Será que podia tirar uma foto? Procurou ele, mas não achou! Estava tonta...

Pegou a caneta e tentou anotar tudo o que aconteceu naquela viagem. A mão doeu.

Tudo o que lembrava.... não conseguiu. Finalmente o achou.

Ainda bem que ele estava lá, pois deixou as "lembranças" para ele.

Daniel Bushatsky
São Paulo, 2/9/2013

 

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