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Terça-feira, 22/1/2002 Jornalismo e os mitos Bruno Garschagen A ampulheta (olha lá revisão) está se esvaziando para a imprensa escrita. Não dá mais para continuar no esquema de destacar o fato e deixar a interpretação de lado. Dizer no dia seguinte o que a tevê mostrou no dia anterior é o mesmo que casar duas vezes com a mesma mulher (ou marido, como preferirem). Falta, na maioria dos casos, aquele insight, aquele olhar mais profundo sobre a superficialidade que a correria do dia-a-dia nos impinge. Textos criativos sobre assuntos banais são raros, como carne moída em pastel de queijo. Aí, a responsabilidade é do repórter. Se achar que manual de redação e pauta são cabrestos vai acabar puxando carroça. Ou nem isso. Aliás, têm vários assim empregados. Perdoem-me, há reflexões contraditórias por natureza. E nem quero saber dessa história inventada por algum mágico dos Estados Unidosvenceremos, de que notícia é o homem morder o cachorro — do contrário, seria um fato corriqueiro. A perda da sensibilidade, para o jornalista, é defeito tão grave quanto se achar tão importante quanto a fonte (bem, tomando por base algumas fontes o pecado não é tão grave assim). Uma outra falácia sobre o jornalismo é a tal e absurda história de quarto poder. Qualquer jornalista que se preze deveria rechaçar essa balela. Jornalismo é antipoder. Senão não vinga, igual bezerro de vaca louca. Outro mito refere-se à isenção da imprensa. Nenhum jornalismo, por princípio, é imparcial. Porque nenhuma informação é neutra: pode glorificar uns e demonizar outros. Cada órgão e cada jornalista defende uma posição — nem que seja aquela em benefício do bem-comum. E o mal comum, onde fica? Discriminação das brabas, não? Jornalista deve ser ético. Não usar da imprensa para se dar (ops!) bem. Jornalismo é a arte de separar o joio do trigo — e publicar o joio, no que concordo com o jornalista e escritor Karl Kraus. O resto é cevada, choca. E eu prefiro uísque. Imprensada Estive no final de dezembro no Rio Babilônia Kátia Flávia de Janeiro num simpósio sobre ética no jornalismo. Só feras. Duas observações do Zuenir Ventura me chamaram a atenção. Uma, a da necessidade de fazer com que as críticas da imprensa sobre a imprensa não se transformem em auto-flagelação. Penso que, pior ainda, é servir de justificativa à mediocridade e falhas perfeitamente sanáveis. Outra do Zuenir: “é preciso acabar com a arrogância da imprensa”. Jornalista, a não ser depois de décadas de um trabalho bem feito, anda com o nome do jornal. E só. Imprensada (II) Na sublime palestra do Marco Sá Corrêa, uma observação interessantíssima. Disse o editor do site No. que um fato curioso do jornalismo é a tendência que os profissionais têm de admirar princípios abstratos e, na prática, freqüentemente, gostar de comportamentos que desmentem ou, pelo menos, colocam interrogações pesadas quanto a essa tendência. Para ilustrar a afirmação, Corrêa deu como exemplo o princípio ético da isenção. "Achamos que um dos princípios éticos profissionais do jornalista é a isenção e é claro que isso é importante. Tendemos, porém, a admirar jornalistas que se envolveram colossalmente com seus pontos de vista, com seus assuntos, com seus interesses pessoais. Isso pega qualquer espectro: vai de Marx a Carlos Lacerda, a John Reed.... São jornalistas que desistiram de contar a história para fazer a história e isso afeta, sim, o nosso comportamento desde sempre". Faltou falar de outros como Émile Zola, H. L. Mencken, Edmund Wilson, I. F. Stone, Rubem Braga, Paulo Francis etc., mas não foi por falta de conhecimento, mas do curto tempo de cada palestra. Bruno Garschagen |
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